O grupo de Tó Trips e João Doce editou em janeiro "Sulitânia Beat” e vai começar a tour esta sexta-feira, no Porto.
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No final de janeiro, os Club Makumba lançaram "Sulitânia Beat", disco novo que dão hoje a conhecer no Maus Hábitos, no Porto. À segunda incursão pelos álbuns, Tó Trips (Dead Combo), João Doce (Wraygunn), Gonçalo Prazeres e Gonçalo Leonardo voltam a sons quentes e sem fronteiras, rock mesclado com música do mundo, jazz, eletrónica e um corte assumido com as fórmulas clássicas ocidentais, das quais se dizem cansados. Um som, acima de tudo, livre, tal como as danças que inspira.
"Sulitânia Beat" vai ser apresentado ao vivo hoje no Porto, no sábado em Estarreja (Cine-Teatro) e em Lisboa no dia 29 de fevereiro (B.Leza). Em março passa por Leiria (dia 1 no Texas Bar) e Coimbra (dia 2 no Salão Brazil). O mote desta, para já, mini-tour, é o novo disco, uma edição de autor da nova banda que começou a nascer na estrada, há já vários anos.
“Eu andava a tocar o 'Guitarra Makaka' [disco a solo de 2015] e fui a Esmoriz onde vive o João. Já éramos amigos, a mãe da minha mulher é de Esmoriz, já nos conhecíamos das andanças do rock. Convidei-o para esse concerto e, como correu bem, para andar na estrada. Ainda fizemos um EP, tocámos 3 anos e chegámos à conclusão de que era fixe meter mais elementos, criar algo mais elétrico”, explica Tó Trips ao JN.
Foi quando chamaram “os Gonçalos”, como diz o guitarrista: Gonçalo Prazeres, no saxofone, e Gonçalo Leonardo, no contrabaixo, que já tinham tocado com os Dead Combo nos concertos de “formato big band”.
Começou a desenhar-se um novo grupo, que se define em parte como “música de dança, como ato de resistência”. João Doce explica-nos porquê: “dançar é das coisas mais livres que temos, porque independente de saberes dançar – se é que isso existe–, podes expressar-te fisicamente como entenderes, é intuitivo. Se não estiveres a pensar se estás a ser observado, libertas-te; e o que sentimos nos concertos é que as pessoas dançam de forma diferente, consoante partes dos temas diferentes, e esse é um dos lados livres que a nossa música tem”, adianta o baterista.
O outro lado da mesma liberdade é a ausência de fronteiras, garante: “temos tantas influências que é impossível que, quem nos ouve, não perceba que temos uma atitude aberta em relação ao mundo; e que queremos que o mundo seja isso, um lugar aberto”.
Sobre este tema, e porque é central na banda, Tó Trips adianta ao JN: “há muita intolerância, e esta música não tem nada disso. Na segunda década do século XXI, já devíamos ter ultrapassado as intolerâncias económicas, de género, de diferentes origens; já devia estar tudo resolvido”.
Novas fórmulas
O som dos Makumba vive desta liberdade, mas vem também de uma procura. Tó Trips explica-nos qual: “como já ando nisto desde os anos 80, a verdade é que gosto de rock e da atitude rock, mas já me cansei das fórmulas ocidentais, anglo-saxónicas. Como adoro o instrumento e me considero um guitarrista, gosto sempre de descobrir a guitarra, de ouvir pessoas a tocar, de África, do Japão, da América do Sul, o que for. E isso traz-me outras sonoridades, outras coisas que depois mastigamos à nossa maneira. Estou farto das mesmas fórmulas ocidentais de tocar guitarra”, reitera.
A ligação e criatividade dos quatro elementos do grupo são também um ponto fulcral – e algo que, adianta João Doce, ajudou a retirar deste álbum a pressão do segundo disco. “Tivemos muita sorte na forma como nos articulamos os quatro. Criámos logo uma sonoridade própria e muitas vezes a própria música e o modo como combinamos entre nós leva-nos a sítios não planeados. Isto permitiu-nos chegar a um segundo disco sem estarmos preocupados com as habituais pressões, mas a pensar, ‘isto é Club Makumba’. É o chamado quinto elemento, há uma coisa acima de nós os quatro, que é os Club Makumba. Por isso, fomos capazes de manter essa identidade, mas arriscar mais, e penso que posso falar por todos ao dizer que estamos muito contentes com o resultado”, adianta.
Para Tó Trips, o primeiro disco foi mais “de urgência, de missão, de fazer”. "'Sulitânia Beat' já tem outros toques, novas ideias, é um álbum onde o pessoal se conheceu melhor e a criação começou mais a partir dos quatro”.
Nesta identidade e linha claras, o próprio nome, “Sulitânia”, teve um papel: “aí, fizemos basicamente uma apropriação de uma expressão de Francisco Palma Dias, que conhecemos e é poeta e escritor. Mas ele usava-a num sentido mais restrito, de terras a sul do Tejo, algo até com um lado melancólico, ligado com algumas das dificuldades que essas pessoas tinham e com o facto dessas terras serem, de algum modo, menos valorizadas”, começa por explicar João Doce.
O grupo gostou logo da expressão e do tema, mas a dado ponto, “como o disco estava a ficar num tom mais alegre, agitado, durante algum tempo abandonámos a ideia. Mas depois demos elasticidade ao termo, esperando que o Francisco não leve a mal, e acabámos por englobar todos os povos do sul: quer por considerarmos que tem muito a ver com as influências musicais que o grupo tem, como para posicionar até do ponto de vista político, neste contexto em que estamos: o hemisfério sul enquanto aquilo que ele é e dá, que é uma riqueza incrível”, acrescenta ainda o percussionista.
Numa música de festa, de libertação, os concertos, que agora começam, são a catarse, adiantam Tó Trips e João Doce. “Vamos vendo o público, e por vezes até vemos que o público quer uma zona aberta, mais tempo de uma música, e abandonamos totalmente a estrutura e vamos atrás, acompanhamos”, conclui o baterista.