Pedro Costa assegura a presença portuguesa, Jane Campion é a homenageada.
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Tem início hoje a 13.ª edição do Festival Lumière, que se realiza em Lyon, em homenagem aos irmãos Auguste e Louis Lumière, habitualmente considerados como os pais do cinema. Inicialmente concebido como um festival de filmes clássicos e de património, a iniciativa tem vindo gradualmente a apresentar também obras mais recentes e em alguns casos em antestreia, fazendo justiça ao subtítulo que agora apresenta: um festival para todos.
Servindo toda a cidade de Lyon, com sessões espalhadas por várias salas, o centro nevrálgico do festival é no entanto o Instituto Lumière, que se situa no local onde era a habitação da família Lumière, hoje transformada em museu, bem como a fábrica de películas fotográficas onde os dois irmãos realizaram em 1895 o seu primeiro filme, "La sortie de l"Usine Lumière à Lyon". Não só a cidade de Lyon se mostra extremamente orgulhosa destes seus filhos como a porta lateral do Instituto Lumière, onde há uma enorme reprodução de uma imagem desse filme, se encontra na hoje chamada Rua do Primeiro Filme.
É aí que, todos os anos, o cineasta que recebe a maior homenagem do festival, o Prémio Lumière, realiza no último dia uma reprodução dessa obra iniciática do cinema, com um minuto de duração. Depois de em 2020 a honra ter sido concedida curiosamente a dois outros irmãos, os belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne, será este ano a neozelandesa Jane Campion a ser alvo dessa homenagem. Campion foi a primeira mulher a vencer a Palma de Ouro de Cannes, em 1993, com "O piano", e seria em julho passado sucedida por uma francesa, Julia Ducournau e o seu "Titane", neste momento em exibição em sala entre nós. Na retrospetiva dedicada a Campion, além de alguns dos seus primeiros filmes será exibida a obra mais recente, "The power of the dog", que esteve em concurso em Veneza.
A ligação entre Cannes e Lyon é ainda assegurada por Thierry Frémaux, diretor do Instituto Lumière e delegado-geral e responsável principal pela programação de Cannes. A edição 2021 do Festival Lumière é entretanto a primeira a realizar-se após o desaparecimento de Bertrand Tavernier, natural de Lyon, fundador do Instituto Lumière e seu presidente e que, além de um cineasta de reconhecido talento, era um dos maiores conhecedores da história do cinema, paixão que partilhava em fascinantes conversas, em vários livros e também séries documentais.
É ainda nos jardins do Instituto Lumière que se realiza o Mercado Internacional do Filme Clássico, uma iniciativa que mostra a importância cada vez maior deste segmento de mercado, assegurado por cinematecas de todo o mundo e por várias instituições públicas e privadas, alimentando um mercado bastante dinâmico no domínio das reposições em sala, luxuosas edições em DVD e programação de uma multitude de canais dedicados à descoberta e divulgação de clássicos do cinema, em cópias restauradas ou recentemente digitalizadas.
O ano passado, o país convidado do Mercado foi Portugal, com a presença de uma delegação da Cinemateca Portuguesa que apresentou vários dos seus mais recentes restauros, embora o impacto tenha sido claramente diminuído pela imposição de duras medidas sanitárias pelo Governo francês a dois dias do início do evento, o que levou várias delegações a não viajarem para Lyon. Este ano, o país convidado do Mercado do Filme Clássico é a Suíça.
A presença portuguesa em 2021 é assegurada por Pedro Costa, que estará em Lyon nos dias 15 e 16. No primeiro desses dias apresentará a versão restaurada de "Sicilia!" de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, realizado em 1999 e de que o português supervisou os trabalhos de recuperação, com a colaboração da Cinemateca Portuguesa. A relação de Costa com Straub e Huillet estabeleceu-se com a rodagem do documentário "Onde jaz o teu sorriso", integrado na série Cineastas do Nosso Tempo, que apresentará no dia 16.
Entre alguns dos outros grandes momentos do festival encontram-se os cine-concertos dos filmes mudos "Casanova" de Alexandre Volkoff e "A greve", o primeiro filme de Sergei Eisenstein. Ambas as sessões decorrerão no magnífico Auditório de Lyon, cujo monumental órgão de 6500 tubos será utilizado para musicar ao vivo o grande clássico soviético. Continuando a revelar a obra de mulheres cineastas um pouco esquecidas pela história do cinema, serão exibidos os seis filmes dirigidos entre 1953 e 1962 por Kinuyo Tanaka, que se tornara já uma estrela do cinema nipónico e musa de dois dos seus grandes mestres, Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu.
Mas haverá muito mais, nos próximos nove dias, com presenças previstas da atriz francesa Bulle Ogier; da fotógrafa Nan Goldin, de cujo trabalho haverá uma exposição; do lendário compositor Philippe Sarde, que musicou filmes de Claude Sautet, André Téchiné, Bertrand Blier, Jacques Doillon e do próprio Bertrand Tavernier; ou do famoso sociólogo e filósofo francês Edgar Morin. Quanto a filmes, há centena e meia a descobrir, em seções como Grandes Clássicos do Preto e Branco, Momentos Sublimes do Mudo, Grandes Projeções e Documentários Sobre o Cinema, ou sessões pela noite dentro com clássicos do terror japonês. Lyon volta a ser capital do cinema, 126 anos depois.