Estreia hoje “Portugueses”, o musical de Vicente Alves do Ó.
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Vicente Alves do Ó é uma ilha no cinema português. No sentido em que se tem mostrado independente a todas as chamadas tendências que vão prevalecendo na nossa filmografia e também na ideia, um pouco rara por cá, de que é possível fazer um cinema narrativo e apelativo sem perder os princípios autorais, que o realizador também os tem.
E se filmes como “Quinze Pontos na Alma”, “Florbela”, “Al Berto” ou “Amadeo” podem comprovar esta ideia, além de alguns trabalhos de escrita, que domina como poucos entre nós, “Portugueses” é então uma ilha dentro dessa mesma ilha.
Para começar, o título “Portugueses” parece algo provocador, no bom sentido, o de agitar as águas, de nos fazer pensar. Numa altura em que o país começa a estar tão dividido como outros à nossa volta, há algo que una os portugueses, além da sua nacionalidade? Vicente Alves do Ó tenta convencer-se de que é possível e propõe a música como forma de o fazer.
Mas “Portugueses”, o filme, não é uma obra ingénua, apesar de otimista. Sabe que o momento não é fácil, e que a memória do que o país foi, durante meio século, não este último, mas o interior, não pode ser esquecido. Infelizmente, muitos já esqueceram, outros ainda não o aprenderam. É por isso que “Portugueses” tem por vezes um lado pedagógico, que é desagradável na maior parte dos casos, mas hoje e aqui se torna necessário.
Mas o que faz “Portugueses” uma obra perfeitamente original no nosso tecido cinematográfico é a incursão da música. O filme de Vicente Alves do Ó é um musical, não na linha dos clássicos de Hollywood, de Fred Astaire ou Gene Kelly, mas na linha de Jacques Demy.
O filme acompanha a História do nosso país, dos últimos anos da ditadura à instauração da democracia, com os vários blocos narrativos a encadearem-se de forma orgânica e a ganharem dimensão através das canções interpretadas pelos próprios autores, em registo direto. A música, um dos raros temas que une toda a gente, daqui e dali, pode “ainda” salvar-nos.