Livraria exige que a empresa que explora o teatro pague o total das obras de restauro. Relatório técnico alerta para falhas graves na segurança do imóvel.
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Quatro anos após a compra do Teatro Sá da Bandeira (TSB) pela Livraria Lello, o conflito que tem marcado a relação entre a empresa proprietária e o inquilino, a firma Rocha Brito & Vigoço, vai chegar às vias judiciais, apurou o JN. Os donos do imóvel exigem que a empresa responsável pela exploração assuma o pagamento das obras de restauro e conservação que o relatório técnico de peritagem, encomendado pela Lello em 2021 e terminado no ano seguinte, considera "urgentes".
A confirmação foi feita pelo administrador da livraria, Pedro Pinto, que afirma escudar-se apenas no contrato de arrendamento, segundo o qual "a cargo dos arrendatários ficam todas as obras de conservação e reparação do edifício, tanto interiores como exteriores, e bem assim o conserto de todo o mobiliário, obrigando-se a conservar tudo em bom estado".
"Temos que fazer valer o direito que nos cabe, como consta do contrato de arrendamento", assegurou o administrador da Lello, que denuncia ainda pretensas "obras ilegais" feitas pelo inquilino ao longo dos anos.
Encomendado pela proprietária do edifício a várias empresas de arquitetura e gestão de obras, o relatório técnico de peritagem do TSB, ao qual o JN teve acesso, tem conclusões arrasadoras.
Nível baixo de segurança
No extenso relatório pode ler-se que "o edifício em questão representa graves riscos de ocorrência de incêndio, e um muito baixo nível de segurança para os ocupantes do mesmo". Entre as falhas mais graves encontram-se a ausência de "compartimentação corta-fogo adequada" e "a existência de elementos em madeira nas zonas de cobertura da plateia e palco, que não oferecem garantias de resistência a fogo". Idêntica preocupação suscita "a sinalização de segurança, os sistemas de deteção e meios de intervenção aquém das exigências regulamentares", podendo dar origem "a verdadeiras catástrofes". Na conclusão, os peritos alertam que "o funcionamento do edifício nas condições em que se encontra representa grave risco para os seus ocupantes e para o património histórico e arquitetónico". Orçadas "em muitas centenas de milhar de euros", as obras necessárias para suprir as supostas falhas de segurança não assustam a empresa que explora o TSB, por considerar que "as mesmas foram sendo realizadas". Um entendimento do qual a Livraria Lello discorda.
Críticas à câmara
Com posições divergentes em todas as áreas, inquilino e senhorio concordam apenas num ponto: nas críticas à Câmara do Porto. Se a Brito, Rocha & Vigoço diz que a autarquia, "ao exercer o direito de preferência, acabou por impedir que esta sociedade adquirisse o edifício aos anteriores proprietários", a Livraria Lello lamenta que "nada" tenha sido feito pelos serviços camarários desde que lhe fez chegar os resultados da auditoria.
Com a batalha judicial apenas a dar agora os primeiros passos, afigura-se ainda muito distante o objetivo da empresa detida por Pedro Pinto ao avançar para a compra de um dos mais emblemáticos teatros portuenses: o "projeto multidisciplinar" que passava pela "união de dois monumentos centenários do Porto", criando "um conjunto de patrimónios ligados à cultura".
Reação
Empresa afirma estar "tranquila" com ação judicial
Arrendatária do Teatro Sá da Bandeira (TSB) desde 1910, a empresa Rocha Brito & Vigoço rejeita por inteiro as acusações da Lello, afirmando-se "tranquila" com a anunciada intenção da livraria de exigir junto do tribunal a realização de obras profundas. "Fomos realizando sempre as obras de conservação que estão a nosso cargo", afirmou ao JN o gestor da empresa, Manuel João Ribeiro.
A sociedade que explora o centenário teatro ataca, por sua vez, a proprietária de "contrariar o propósito com que a Câmara do Porto pôs o TSB à venda", ao "mostrar interesse em tomar conta da exploração" do teatro.