De mecânico de veículos pesados a estrela de cinema. Escolhido num casting pelo realizador Boris Lejkine, Abou Sangare enche o ecrã de “A História de Souleymane”, o retrato de um jovem guineense que faz entregas de bicicleta nas ruas de Paris, ao mesmo tempo que tenta legalizar a sua situação.
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O próprio Sangare, guineense como Souleymane, chegou a França sem papéis e só depois do sucesso do filme viu ser-lhe dada autorização de residência, apenas no passado dia 8 de janeiro. Já premiado em Cannes e Melhor Ator nos Prémios do Cinema Europeu e nos Prémios Lumière, Abou Sangare recebeu o JN em Paris.
A história de Souleymane é um pouco a sua…
Cheguei a Paris com 16 anos e tentei ser reconhecido como menor. Fui posto à porta e comecei então a seguir todos os procedimentos, até ao dia 8 de janeiro. Quer dizer que sei bem o que é estar numa situação irregular em França e de como são todos os procedimentos administrativos aqui. A diferença é que sou mecânico de veículos pesados e nunca fiz nenhum pedido de asilo. E o Souleymane vive em Paris, eu vivo em Amiens.
O que o levou a ir ao casting?
Sou uma pessoa sociável. Fiz trabalhos como benévolo no seio de uma associação. Ajudei sobretudo menores que não falavam francês. O responsável do ateliê chama-me para o acompanhar, mesmo que isso me obrigue a deslocar-me. Foi ele que me disse que alguém vinha de Paris à procura de um guineense, para um filme.
O que se passou depois?
Para começar escolheram vinte e cinco jovens. Alguns foram-se logo embora. Os que ficaram fizeram entrevistas de cinco a dez minutos. Eles estavam com um pouco de pressa e eu também, porque nunca pensei que fosse para mim. Depois ligaram-me a dizer que me queriam ver outra vez, mas eu disse que não, porque tinha de ir desenrascar um senhor com uma viatura. Mas decidiram esperar.
Foi logo escolhido para o papel?
Fomos para um parque de estacionamento, fizeram dois ou três ensaios e foram-se embora. Alguns dias mais tarde voltaram a telefonar, precisavam de mim aqui em Paris. Passei um dia inteiro, com um outro jovem guineense, em ensaios, voltei para Amiens e algumas semanas mais tarde disseram-me então que me queriam para o papel principal.
Como é que reagiu?
Fiquei muito confuso. Como não tinha papéis, não tinha direito de trabalhar, como é que as coisas se iam passar? O Boris disse-me para esquecer a história dos papéis, porque ao ser contratado, o trabalho passa a ser legal, eu seria pago, teria uma folha de pagamento, o que me permitiria fazer o meu pedido na prefeitura.
De onde vem essa força, essa capacidade de nos convencer que é o Souleymane?
Todo o mérito vai para o realizador. Eu nunca tinha feito cinema. A primeira vez que ouvi o nome casting foi para o nosso primeiro encontro. E nunca tinha feito entregas na minha vida. Fiz um estágio de duas semanas a fazer entregas, para me familiarizar com as aplicações. No filme só há uma atriz profissional, que vemos na cena final. Foi como uma formação. Toda a gente aprendeu o que tinha de fazer muito rapidamente.
E as emoções, de onde vêm?
O filme é a história de um jovem sem papéis e eu sou um deles. Para começar, já estava prisioneiro dessa temática. Por isso, as emoções do filme já eram naturais para mim. Eu vivi isso sete anos e quando chego a um projeto que vai desbloquear a minha situação, levei tudo muito a sério. Muita gente me disse que, se o filme funcionasse bem, eu podia ganhar muitas coisas com este filme. Foi isso que se passou.
E agora, tem intenção de continuar?
Nunca tive o sonho de ser milionário ou de ser uma estrela. O meu sonho foi sempre ser mecânico de veículos pesados, para ganhar a minha vida, ter um teto para dormir e um prato de comida. O cinema, aceito-o, se me propuserem projetos, mas não vou estar à procura de castings. Eu sou o Sangare e serei o Sangare até ao fim da minha vida. Quero ser sempre eu, manter a minha dignidade. Respeitar os outros e aceitar o que Deus me der.
O que sentiu quando viu o filme pela primeira vez?
Não percebi muito bem, porque o filme não foi montado da mesma forma que o filmámos. As pessoas quando me veem na rua não me reconhecem imediatamente. Veem o cartaz e perguntam se sou mesmo eu. Porque no filme não sou propriamente eu. Com todo o stress que tinha, parece que tenho cinquenta anos. Quando sofremos no interior, envelhecemos. Mas para responder à sua questão, foi um pouco complicado ver-me no ecrã.
