Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho assinam nova novela gráfica que aborda o tédio adolescente e a inquietação que bloqueia o quotidiano.
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O trabalho começou há mais de um ano, muito antes da pandemia e do confinamento, mas "Desvio" é uma história sobre o tédio e a solidão. Miguel, 18 anos, está inesperadamente sozinho em casa, durante o verão. O namoro está em suspenso, os pais de férias e os amigos longe. E Miguel, adolescente aborrecido e em efervescência existencial, começa a ficar consumido pela dúvida. "É um retrato de uma sensação de vazio, de bloqueio, em que todos nos reconhecemos. Há fases na vida em que pomos tudo em causa, não é necessário ser um adolescente para sentir isso", sublinha ao JN Ana Pessoa, que assina esta novela gráfica com o ilustrador Bernardo P. Carvalho.
A escritora, vencedora do Prémio Literário Maria Rosa Colaço 2018 e Prémio Branquinho da Fonseca 2011, e autora dos livros "Aqui é um bom lugar" ou "Eu sou eu sei", não tinha ainda enveredado pelas histórias aos quadradinhos. Foi uma experiência plena de desafios, em que a principal dificuldade foi "desenvolver a narrativa visual, puramente descritiva, nada literária", confessa a autora. Mas o processo foi compensador. "A interação permanente entre a linguagem visual e os dilemas do protagonista foi o mais desafiante e espantoso".
História intemporal
É uma história com relevância intemporal, por muito que haja a tentação circunstancial de ligá-la aos obstáculos sociais e individuais levantados pela covid-19. A inquietação plasmada em "Desvio", lançado pela Planeta Tangerina e já nas livrarias, "não é um sentimento de agora. Essa procura de um sentido para a vida é a condição humana. O que acontece ao Miguel é um regresso a si próprio. O silêncio e a sensação de vazio ajudam-no a tomar as rédeas e a perceber um pouco mais quem é".
A escritora contou com a experiência de Bernardo Carvalho, ilustrador e designer gráfico, que, aos 47 anos, é autor ou ilustrador de mais de duas dezenas de livros para crianças e jovens, editados em 25 países, como "Praia-mar", "Daqui ninguém passa!" ou "Atlas das viagens e dos exploradores". "Fomos partilhando o que fazíamos ao longo de todo o processo, tínhamos sempre muitas dúvidas", assume Pessoa, que optou por desenvolver uma narrativa "necessariamente lacónica".
"Desvio", banda desenhada integrada na coleção para jovens "2 passos e 1 salto", resulta por isso numa abordagem de contenção literária propositada, que não gosta de enunciar tudo o que se entende da simbiose palavra/desenho em cada uma das 200 páginas deste livro.
A BD é um género que torna possível o "espaço para a contemplação". "Mostra ambientes, momentos, sequências, mas o leitor nunca está dentro da cabeça deste rapaz, não sabe tudo sobre ele. Estamos a observá-lo por dentro e por fora, mas o que é dito através do desenho e das palavras é muito sintético".