Apesar da chuva torrencial, o Teatro Municipal Constantino Nery, em Matosinhos, estava quase lotado para assistir a "Last", criação de São Castro e António M Cabrita. Peça passou no DDD, ao segundo dia.
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O Constantino Nery tem uma especificidade arquitetónica: se o espectador não estiver sentado na primeira ou na segunda fila, estará em plano picado para o espetáculo e, consequentemente, terá uma visão distinta do que ali decorre. O espetáculo "Last" estreou em 2019, já tem uma carreira longa, alcançou a maturidade cénica.
Um dos grandes privilégios dados ao público nos dois primeiros espetáculos em palco do DDD foi o facto de terem os músicos a tocar ao vivo. Neste caso, o Quarteto de Cordas de Matosinhos, um grupo de virtuosos instrumentistas multipremiados e de qualidade indiscutível. Mas em "Last" a opção de os ter pouco iluminados virados sobre si, ficando dois deles de costas para o público, sem nenhuma explicação dramatúrgica, é apagá-los enquanto intérpretes.
Os cinco bailarinos que compõem o elenco são extremamente competentes tecnicamente, sem perderem a identidade, uma fórmula nem sempre fácil de alcançar. Ana Moreno é a mais destacada neste equilíbrio. A linguagem coreográfica é muito inventiva, especialmente quando não há recurso a saltos, mesmo em andamentos de allegro.
Como se os bailarinos estivessem o tempo todo com uma força inexplicável que como um íman os colasse ao chão. A musicalidade está muito bem trabalhada, assim como os duetos. Em movimentos que alternam desde as suspensões bruscas a uma fluidez, como se pairassem, criando um corpo único.
Beethoven escreveu apenas um ballet: "Prometheus" na sua carreira. Ter o prazer de ouvir e ver o uso de cada nota neste "Late String Quartet", escrito numa fase de surdez absoluta, é brilhante.
Os bons chefs dizem que quando os alimentos são de muita qualidade não necessitam de molhos para lhes realçar o sabor, que essa é uma invenção de quem tem maus produtos. Mas, estranhamente, apesar da qualidade inegável da música e da dança, faltou-lhe um elemento de magia nos figurinos, na luz e no cenário inexistente.