"Badiu" é o mais comunitário dos discos do cantor. Tem dezenas de participações e continua a ampliar as possibilidades musicais da lusofonia.
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Dino d'Santiago vive um pico da sua carreira e vida pessoal. Foi considerado um dos afrodescendentes mais influentes em 2021 numa lista caucionada pela ONU e recebeu a Medalha de Mérito - Grau Ouro da Câmara Municipal de Loulé. Andou em bolandas por debates e programas musicais durante todo o ano. Foi pai de Lucas, que "manifestava a vida" durante a conversa telefónica com o JN. E lançou "Badiu", onde prossegue a redescoberta da herança musical cabo-verdiana. Esta é uma curva que não merece ser achatada, porque Dino tem andado a ampliar Portugal e a lusofonia.
Perguntamos-lhe se é a música ou a mensagem que carrega aquilo que lhe tem dado os focos no último ano. Refazendo a questão, porque ninguém quer saber o que diz um músico medíocre: é a necessidade da indústria produzir estrelas ou o conteúdo que esta estrela em particular tem veiculado? "Felizmente acho que é a minha mensagem que está a passar, mais do que o Dino. Tenho recebido prémios sobre discos quando já estou a trabalhar nos seguintes. Não aponto às distinções quando faço música. E se a minha carreira acabasse agora creio que já deixava um legado: o meu filho não pode vir a ter os mesmos medos que eu tive".
Essa mensagem pode sintetizar-se nas razões que Dino oferece para entrelaçar o crioulo com o português nos temas de "Badiu": "Essa opção é um statement: é para que nos entrelacemos de verdade". Porque Dino faz esse vaivém cultural no mundo da lusofonia - e é da lusofonia que ele é filho, mais do que de Portugal ou de Cabo Verde: por um lado, vai às raízes da música do arquipélago africano, que é ali o grande "passaporte da história e da cultura", e recupera os "ritmos oprimidos" do batuque e do funaná, géneros censurados até ao fim do Estado Novo por serem "músicas profanas e do diabo". Por outro, sublinha com orgulho que 70% do léxico do crioulo tem origem no português e embandeira os 38 crioulos de base portuguesa espalhados pelo Mundo. Mais do que de países, Dino fala-nos de uma civilização.
igualmente diferentes
Uma civilização que pode crescer, desde logo no conhecimento sobre si própria, através da música. "Aceitamos durante muito tempo como dominante a música anglo-saxónica, hispânica ou francófona. É hora de saborearmos a nossa riqueza rítmica: a que vem de Portugal, Moçambique, Cabo Verde, Brasil, São Tomé e Príncipe". Claro que Dino é um músico contemporâneo, não um arqueólogo, e por isso não exclui as roupagens internacionais da eletrónica ou do hip-hop: "Mas por muito que estejam embebidas noutras linguagens, quero sentir na mesma que estou a dançar funaná, kizomba ou uma morna".
"Badiu", o mais comunitário dos seus álbuns, criado ao longo de um mês num vale na Terrugem (Sintra), juntou produtores e colaboradores habituais, como Kalaf Epalanga, Seiji ou Branko, mas também novas contribuições de Charlie Beats, Berlok e Nami, além da partilha de microfone com Slow J, Rincon Sapiência ou Nayela. O nome remete para os "badius" (vadios), escravos da ilha de Santiago que aproveitavam o caos provocado pelos ataques de piratas à cidade da Ribeira Grande para se refugiarem nas montanhas do interior. O termo passou de pejorativo a símbolo de resistência e orgulho nacional. A condição das mulheres, a saúde mental, a utopia, ou essa ideia central para Dino de sermos "todos igualmente diferentes" recheiam as 12 faixas de "Badiu".