Há 84 anos, meia centena de bombardeiros alemães reduziram a pó e cinzas a cidade basca de Guernica. Desse hediondo ato resultaram mais de 1600 mortos, mas também obras de arte que ainda hoje nos sobressaltam pela força que delas emana.
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Em 1937, Pablo Picasso era já um artista universal. O génio fez-se exibir de forma muito precoce na sua vida, através de uma rara combinação entre talento e curiosidade sem fim. No entanto, a encomenda que recebeu nesse ano para uma obra destinada à exposição universal em Paris deixou-o numa pouco frequente crise de inspiração para a qual tardava em encontrar resposta.
Até que o ignominioso ataque germânico a uma população indefesa o libertou do bloqueio. Durante sete semanas ininterruptas, o artista malaguenho captou de modo magistral o momento em que milhares se viram prostrados perante uma brutalidade de dimensões inimagináveis.
As motivações interiores de Picasso podem ser encontradas numa bem fundamentada reportagem da BBC sobre essa obra:
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São muitos os autores que, nas últimas décadas, têm procurado dissecar a força e o impacto das imagens criadas por Picasso. De historiadores a críticos de arte, de poetas a ficcionistas, o apelo de Guernica continua a chegar, mais de oito décadas volvidas, ao nosso tempo. Num livro homónimo, disponível por encomenda, o francês Olivier Cherpantier evita o realismo opressor e optou por transmitir uma imagem densa e concisa que evoca poderosamente o drama e a génese da obra.
Observar o quadro 'in loco', no Museu Reina Sofia, e ler o abundante material historiográfico sobre a obra, não são as únicas possibilidades colocadas ao dispor dos interessados. Há ainda um outro cenário, ainda que mais lúdico: reconstituir o quadro de Picasso através de puzzles. Não tem as impressionantes dimensões originais - três metros e meio de altura e quase oito de altura -, mas as suas três mil peças asseguram muito trabalho e paciência.
Os poetas não deixaram passar impune o crime dos nacionalistas espanhóis e das forças alemãs sobre milhares de civis indefesos. Numerosos autores de latitudes não menos diversas têm expressado, do final da década de 1930 até ao presente, a poderosa carga simbólica e política do ato. No lugar da condenação dominante, o brasileiro Murilo Mendes levou por diante uma criação poética que junta a multiplicidade de sentidos à dimensão metalinguística para enfatizar a nobreza e a coragem das vítimas.
Guernica
Subsiste, Guernica, o exemplo macho,
Subsiste para sempre a honra castiça,
A jovem e antiga tradição do carvalho
Que descerra o pálio de diamante.
A força do teu coração desencadeado
Contactou os subterrâneos de Espanha.
E o mundo da lucidez a recebeu:
O ar voa incorporando-se teu nome.
"Tempo Espanhol" (1964), Murilo Mendes
O ódio que motivou o terror em Guernica não é coisa do passado, como todos bem sabemos. Uma das suas faces mais quotidianas são as redes sociais, capazes de uma disseminação de mentiras sem paralelo. Para analisar esse problema, a jornalista brasileira Patrícia Campos Mello escreveu "A máquina do ódio", livro recentemente lançado em Portugal pela Quetzal que se debruça sobre o jornalismo, as 'fake news' e o ódio digital. Um livro de leitura tão urgente quanto necessária.