Depois de ser uma “celeuma mediática, uma crise institucional, uma questão política, jurídica e financeira, hoje passa a ser uma questão histórica e cultural: o quadro ‘Descida da cruz’ passa a ser de Domingos Sequeira”, disse Pedro Sobrado, presidente da empresa Museus e Monumentos de Portugal no Mosteiro de Leça.
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Durante cinco horas, a obra mítica da arte sacra nacional do séc. XIX esteve pela primeira vez à disposição do público e foi vista por 600 pessoas. O quadro ficará depositado no Museu Soares dos Reis, no Porto, juntamente com outras criações de Domingos Sequeira, anunciou António Ponte, diretor da instituição. A exposição abre a 1 de junho.
Este sábado, Dia Internacional dos Museus, havia um bónus: a pintura estava instalada no Mosteiro reabilitado pelo arquiteto Siza Vieira - e o edifício, que abrirá ao público a 22 de junho, foi também uma atração de valor próprio.
Sandrine Pires Costa veio motivada por Siza: “Estou curiosa para ver o que ele fez, inscrevi-me assim que soube que podia vir. Adoro as suas intervenções poéticas e o respeito que tem pelos espaços”. Serafim Magalhães também mostrou “mais curiosidade pela obra do que pelo quadro”.
Já Catarina Serra e Nuno Oliveira, os primeiros visitantes da exposição especial, tinham um objetivo claro: Domingos Sequeira e vieram altamente preparados. “Na quinta estivemos em Lisboa e vimos os estudos preliminares no Museu Nacional de Arte Antiga”, anunciam. Catarina disse estar “ansiosa por ver aquela luzinha branca luminosa que é a parte melhor do quadro”.
É uma questão de luz
“A obra-prima do neoclassicismo português, do início do séc. XIX, retrata o momento dramático da descida de Jesus Cristo da cruz, após a crucificação”, explica ao JN a historiadora de arte Joana Vieira. “O corpo de Cristo, pálido e inerte, é o ponto focal da composição, sugerindo a sua centralidade visual e teológica. Ele está a ser retirado da cruz por José de Arimateia e Nicodemus”, completa. E Joel Cleto, historiador, acrescenta: “Foi Nicodemus quem atirou a imagem do Senhor de Matosinhos ao mar...”.
Joana Vieira continua: “A Virgem Maria, mãe de Jesus, está em primeiro plano, desmaiada pela dor insuportável, amparada por duas figuras femininas - são, possivelmente, Maria e Maria Madalena. A sua palidez contrasta com as cores mais vivas das outras figuras, sublinhando o seu sofrimento. As expressões faciais são meticulosamente detalhadas. A atenção ao detalhe é característica do estilo de Sequeira, inspirado pelos grandes mestres do Renascimento e do Barroco, Michelangelo e Caravaggio. O uso da luz e sombra é particularmente notável: a luz parece emanar de Cristo, simbolizando a sua divindade e o papel redentor do seu sacrifício”, conclui.
No caminho da arte
Por seu lado, a presidente da Fundação Livraria Lello, Rita Marques, revelou que o Mosteiro será agora integrado no Caminho da Arte, um novo projeto que quer oferecer fruição de cultura aos peregrinos de Santiago de Compostela. “Portugal tem 238 mosteiros e 390 conventos, o que faz dos párocos muito bons embaixadores culturais”, acrescentou.
Luísa Salgueiro, autarca de Matosinhos, disse que este “é um edifício determinante que concentra um conjunto de vontades”.