Prrotagonista da rubrica online "Autor do Mês", José Emílio-Nelson (Espinho, 1948) partilha com os leitores do "Jornal de Noticias" dois poemas inéditos de sua autoria.
Corpo do artigo
LELLO
Que maravilha, ou falsa alegria, ver
À porta da Lello, Rua das Carmelitas, 144,
A dor a embalsamar um corpo inteiro, os lábios violetas,
Os olhos rasgados e minúsculos em pó de arroz, ver
A pele negra beijada pela pálida, tatuada de corações flechados.
O de tez rugosa, mão encalecida, o de cãs, a par de uma cabeleira escarlate de esmaltada.
Brilho nas poças da calçada, girândola de luas e do Sol, a luz sedenta sobre as pregas das calças.
Gente empilhada a baloiçar, submersa em ondulação de azuis que abraçam o lilás, algum negrume.
Gente, gente no ar puído, gente com os seus perfumes polidos.
(Ainda assim, a respiração faz-de igual, em todos.)
[No rendilhado dos caracteres]
No rendilhado dos caracteres permanece secretíssimo o que não se vislumbra.
Como fazer e por quem, com quê, com que lhe desenho a
Caligrafia? (Em lacre? Em pólen?)
Cada palavra expandirá as raízes do seu som em eco.
O alfabeto é um casulo de insecto.
Na flor de papel, aí o escrevo.
E no seu aparecimento, mostra antenas finas.
Abortando cores,
As mais das vezes cinza, outras transparências opacas.
Minha cabeça de insetário
Não me defende do seu ácido.
E aqui o alfineto.