Festival de música açoriano mergulhou o público num tanque termal para um dos concertos secretos, na quinta-feira. Certame deslocou-se depois para a cidade de Ribeira Grande, em São Miguel. Há concertos até domingo de madrugada
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Se a lama se tornou famosa no Woodstock, que dizer das águas férreas no Tremor? Foi mesmo assim, de corpo mergulhado num tanque termal, que o público assistiu a mais um concerto secreto do festival de música que decorre em São Miguel, nos Açores, até à madrugada de domingo.
Informados no próprio dia sobre a localização, os espectadores rumaram ao Parque Terra Nostra, no Vale das Furnas, munidos de fato de banho e toalha. A temperatura ambiente estava abaixo dos 20 graus e o céu ameaçava tombar, não parecia o momento ideal para tirar a roupa. Mas logo saltaram para o tanque umas largas dezenas, incentivando os restantes a fazerem o mesmo. O aparente conforto que experimentavam foi persuadindo os que hesitavam. E, aos poucos, até o mais friorento penetrou nas águas vulcânicas. Tinham razão os primeiros. Estava-se bem melhor dentro do tanque do que cá fora, com a água rica em ferro e outros minerais a uma temperatura constante de 40 graus. E aquelas imagens do público, flutuando, chapinhando e pinchando, formavam um quadro ainda mais singular do que os célebres deslizamentos na lama ocorridos no mítico festival norte-americano de 1969.
Claro que no palco construído no Terra Nostra, jardim com origem no século XVIII, não apareceu nenhum Jimi Hendrix a tocar guitarra com os dentes. Mas a proposta em cartaz cumpriu amplamente o propósito de se alinhar com a experiência vivida pelo público. O canto polifónico das Cocanha, dueto que reclama as tradições da Catalunha Francesa e se exprime em língua occitana, construiu uma harmonia hipnótica com a assistência. As duas vozes esvoaçavam em diálogo sobre o som exótico de um saltério, instrumento de cordas utilizado para acompanhar os salmos hebraicos pelo menos desde 300 a. C.. O tom espiritual ampliou ainda mais a sensação de prazer que se revelava em todas as caras, sendo um complemento perfeito para aquelas circunstâncias. Talvez os malabarismos de Hendrix se intrometessem demasiado.
L"Eclair, doçaria musical da Suíça
Ainda na quinta-feira, o Tremor estendeu a restante programação do dia à cidade de Ribeira Grande, a segunda maior de São Miguel. Por entre a pop acústica e de letras bem urdidas de Maria Reis, uma das fundadoras dos Pega Monstro, que atuou no Teatro Ribeiragrandense, e as experiências sonoras e performativas da dupla Ece Canli, artista turca radicada no Porto, e Odete, ativista e produtora trans, que se apresentaram no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, o destaque vai para os suiços L"Eclair, que montaram a maior festa do festival até ao momento no Mercado Municipal de Ribeira Grande.
Espécie de Khruangbin vitaminados, os seis helvéticos, ligados ao selo de pesquisa underground Bongo Joe, erguem uma sonoridade que vai fintando as taxonomias e empurrando os corpos para a exaltação. Inteiramente instrumental, a proposta cresce a partir de uma toada funk espacial, prenhe de wah-wah e percussão afro, mas depois expande-se por longas faixas improvisadas que formam uma textura muzak dançável, com salpicos tropicalistas, jazzísticos e até à lembrança de algumas sonoridades kraut. Aos suíços pouco interessará tamanha coleção de rótulos, envolveram-se apenas com toda a alegria e intensidade na sua atuação, notando-se uma genuína surpresa com a reação entusiástica do público, que os obrigou a sucessivos encores até ser mesmo necessário apagar a luz. Os festivais estão a chegar em força, seria bom lembrarem-se deste nome - L"Eclair, como o bolinho,