Humorista de Porta dos Fundos traz de volta a Portugal o seu espetáculo de sucesso de stand-up comedy, onde reinam o inusitado e o humor acutilante. A digressão começa no Porto, já na segunda-feira. O popular comediante brasileiro confessou-se ao JN
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Fábio Porchat está de volta a Portugal, onde diz que já se sente em casa. O humorista de Porta dos Fundos é também escritor, ator, apresentador, e participou até numa série portuguesa sobre as viagens de Saramago - e diz ter mais surpresas no campo televisivo nacional para breve.
Por agora, traz de volta o seu bem sucedido, e sucessivamente esgotado, espetáculo de stand-up comedy numa nova mini digressão pelo país, que começa dia 13 no Coliseu do Porto, passa a 14 pelo Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, e tem duas sessões dia 15, às 19 horas e às 22 horas, no Coliseu dos Recreios de Lisboa.
Neste seu espetáculo, aquele que é um dos mais conceituados criadores brasileiros traz-nos histórias inusitadas e humor acutilante, como é seu apanágio. Das suas viagens pelo mundo, chegam-nos memórias não da beleza da Torre Eiffel, como conta ao JN, mas sim das massagens estranhas na Índia, de encontros com gorilas, ou de dores de barriga no Nepal. As contas estão feitas: nestes espetáculos de Porchat, há risadas a cada dez segundos.
A Porta dos Fundos fez dez anos. Alguma vez sonhou com este resultado de popularidade?
Realmente não imaginava. Quando começámos, era um tipo de humor que não se fazia no Brasil e que queríamos muito fazer. Era tudo muito natural, uma vontade desse grupo que se encontrou. E quando criámos o YouTube em 2012, jamais achámos que íamos ganhar dinheiro com isso, que ia ganhar tanta projeção. Ou eu, por exemplo, que ia estar noutro país, a fazer stand-up, nunca me passou pela cabeça. Lembro-me da primeira vez que me apresentei aqui, vim muito reticente, falando, "mas em Portugal eles nem devem saber quem eu sou...". E quando cheguei, as pessoas todas vinham falar comigo e sabiam os textos e riam. E eu falei, "pera aí, então eu tenho um outro pedaço do Brasil aqui que eu não sabia que tinha". E comecei a voltar e entendi que aqui é um público que eu tenho que estava só um pouquinho distante. Então passei a apresentar-me aqui sempre, mas sempre me espanto, acho sempre muito mágico estar em Portugal, fazendo teatro, com a casa cheia por uma plateia maioritariamente portuguesa, que me compreende, o estilo de humor e aquilo que eu estou a falar; fico sempre meio assombrado.
Já na altura queriam rir, mas também houve sempre um lado acutilante no vosso humor. Quando tudo, ou quase, falha na sociedade, o humor é mesmo o melhor remédio?
O humor salva sempre, no fim das contas. Lá no Brasil ainda mais, o que nos resta é rir, tantas coisas a dar errado - no mundo, lógico, mas também no Brasil - e o que nos sobra é mesmo podermo-nos divertir, dar risada.
Mas, o humor pode ajudar a mudar mentalidades?
Eu acho que sim, eu acho que o humor tem, lógico, a função de fazer rir, mas que podemos dividir em dois tipos: o humor que joga uma luz sobre determinado assunto e o humor que apaga a luz; porque às vezes a gente também quer esquecer os problemas, não quer ficar a falar deles o tempo todo, vamos rir, deixa eu rir de uma piada de puns, sabe? E isso é o que mostra que todos somos um pouco iguais, todos rimos das mesmas coisas e uns mais, uns menos, mas de um modo geral a gente volta para aquele riso, o riso original.
Estava a falar da sua ligação a Portugal, de vir cá sempre, e de esgotar sempre. Aqui já joga em casa?
É isso, agora sim; antes eu ficava nervoso, agora fico menos, porque agora sei que o público me recebe muito bem, sei que estão todos dispostos, de verdade. Sinto-me muito em casa aqui, não vejo diferença.
Ainda fica nervoso antes dos espetáculos? Porque o stand-up é um espetáculo quase sem rede, não é?
É, é. Mas não fico nervoso não. Vou ficar agora um pouco nessa tour, porque estou há dois meses sem fazer palcos, mas no primeiro dia eu vou... O pessoal de Genebra vai-me ver um pouco nervoso, mas depois eu já vou estar tranquilo na tour pela Europa e que termina em Portugal. E eu passei oito meses no Brasil a fazer esse texto, todo o fim de semana, e no Rio de Janeiro fiquei em cartaz de julho a final de novembro, fazendo quatro sessões por semana. E é interessante, fizemos essas contas e é uma risada a cada 10 segundos a média do espetáculo e eu acho isso muito bom, está a funcionar assim, então eu tenho muita segurança, já sei onde funciona, já sei que as pessoas dão risada.
Num espetáculo de stand-up como este, quanto é do momento e quanto é preparado?
100% é preparado, 100% escrito, eu sou esse tipo, gosto de escrever mesmo "oi tudo bem, eu estou aqui", eu tenho o guião todo escrito. Não gosto de subir no palco e vamos ver o que acontece. Claro que a gente tem que estar aberto a improvisos e se acontece alguma coisa ali na hora não se pode ignorar. Mas é tudo escrito, tudo pensado e testado, já sei exatamente o jeito de falar.
É uma métrica...
Sim, perfeito, é uma matemática, o humor é uma matemática, para não se falar demais, não se falar de menos, não se enrolar, não gaguejar. Parar naquela altura. Saber certinho. Este é um espetáculo razoavelmente novo, porque tem um ano, então eu ainda aprendo muito com ele, mas já sei os portos seguros.
Como é que se envolveu no programa sobre José Saramago? É um escritor que sempre apreciou?
Sempre, antes de fazer esse trabalho eu já dizia que ele era um dos meus autores preferidos, mas nunca tinha lido o "Viagem a Portugal". Então o Ivan Dias, o realizador, entrou em contacto comigo, explicando o que queria e eu disse "não sei, não seria melhor chamar um português?". E ele disse " não, pelo contrário, eu quero um olhar de fora, um olhar fresco sobre a situação, porque nós portugueses já estamos muito acostumados a isso. Queremos alguém que tenha um carinho por Portugal, que olhe com ternura para esse país, mas que se surpreenda". E é um pouco isso, acho que se eu fosse fazer uma série sobre o Rio de Janeiro, talvez eu já olhe aquela paisagem como acostumado, e com uma pessoa de fora, olha e fala, "meu Deus, isso aqui é lindo". É esse deslumbre, e eu acho que ele estava precisando disso, ainda que com um olhar crítico, claro. E fiquei muito encantado, fiquei muito feliz e honrado de ter passado dois meses a viajar por Portugal, foi tudo muito mais do que eu esperava.
As pessoas conheciam-no, mesmo nas aldeias?
50/50. Com os idosos era mais difícil que me reconhecessem, e era muito engraçado, porque as pessoas tiravam fotos e eles olhavam e vinham falar, "o que está acontecer, porquê estão a tirar foto". Mas eu conheci muitas aldeias, muitas vilas, muita gente, foi muito bom.
Era só o Saramago que apreciava ou há mais escritores portugueses?
Ah, portanto, isso é uma coisa que virou um certo objetivo na minha vida, que é levar Portugal para o Brasil. Porque eu fico um pouco constrangido, eu gravei um novo programa para a RTP, que se chama "Só Como e Bebo, Por Acaso Trabalho", que vai estrear este semestre, entrevistando sobretudo personalidades portuguesas. E é muito impressionante, eu senti-me muito ignorante, porque todos os portugueses conhecem a música brasileira muito bem, a literatura, e não é só por causa das telenovelas. Eles conhecem, sabem o que está a acontecer no Brasil hoje, e o brasileiro não sabe o que está acontecer em Portugal. Claro, o Brasil é um país enorme, tem muita coisa, mas não é desculpa, tem muita coisa boa a acontecer em Portugal que não chega no Brasil.
Também no humor? Há humoristas portugueses que segue?
Sim, muitos, alguns que passei a conhecer inclusive com o programa, mas o César Mourão, por exemplo, ficou nosso amigo, o Ricardo Pereira, claro, é uma referência, mas todos, eu fui tentando descobrir quem são essas pessoas e fazendo amizades com eles, e eu quero levá-los para lá, quero que as pessoas lá os conheçam.
Em relação ao stand-up, fala muito das suas viagens - o que é que mais inspira?
São as experiências. Eu acho que, no fim das contas, viajar é mais o que aconteceu com você, menos o que você viu. "Ah, você foi a Paris e viu a Torre Eiffel", sim é bonito, todo o mundo viu, mas o que aconteceu especialmente com você naquela viagem? O que te marcou? Geralmente são as coisas que deram errado, as que deram certo não têm muita graça, se eu disser "ganhei na lotaria", isso não tem graça, agora se eu disser "ganhei na lotaria e perdi o bilhete", isso já é interessante. Então quando as coisas dão errado, é que elas se tornam mais cómicas, porque a comédia de hoje é a tragédia de ontem, não é? E eu tento pegar as minhas experiências, não necessariamente que tenham tragédia, mas se eu fui para a Índia fazer uma massagem e a massagem se tornou um pouco erótica, acaba por ser mais divertido. Ou, passei mal no Nepal, num avião com uma dor de barriga violenta, eu pego essas experiências - lógico que tem humor, que tem comicidade na sua origem, mas eu começo a confabular, como um roteirista.