Radialista apresentou no Porto o livro que reúne as últimas 50 crónicas da sua rubrica “Sinais”, na TSF.
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Continua a levantar-se às três da manhã “com a cabeça cheia de perguntas”, como nos tempos da rádio, ainda refém dos hábitos que, durante décadas a fio, o faziam farejar os aromas da madrugada em busca de uma crónica capaz de lançar sobre os dias um olhar em que os atos de “sentir e o pensar” se completavam.
Pouco mais de três meses depois da saída da TSF, Fernando Alves, 70 anos, reuniu em livro as derradeiras 50 crónicas da sua aclamada rubrica “Sinais”.
Na apresentação, esta quinta-feira ao final da tarde, no Palacete Viscondes de Balsemão, no Porto, perante dezenas de amigos e antigos colegas, mas também ouvintes, deixou palavras de alento aos antigos camaradas. “Não podia pactuar mais com a falta de higiene instalada”, justificou, referindo-se às mudanças verificadas nesse período no grupo acionista detentor da rádio e do “Jornal de Notícias”, entre outros títulos como o "Diário de Notícias" e o desportivo "O Jogo".
Num discurso em defesa do jornalismo, lembrou que a falta crescente de recursos e a delapidação “da memórias nas redações” tornam ainda mais premente o papel dos jornalista. Em contraponto com o protagonismo avassalador dos comentadores, “um cardume sempre igual na sua gramática”.
Os dissabores dos últimos tempos, confidenciou, não foram suficientes para beliscar o “privilegiado” que diz ter sido pela oportunidade de “brincar com o fogo”, movido sempre pela “tentação do abismo”.
O segredo para tocar tantos ouvintes com o seu registo pessoal e intransmissível, esse, nada tinha de extraordinário. “Arranjar um bom arranque e final. O resto há de vir”, sublinhou, convencido de que “há por aí muitos Fernandos Alves. Basta procurá-los”.
Um curioso do mundo
Na apresentação do livro, editado pela Âncora, o escritor Francisco Duarte Mangas destacou a capacidade narrativa de quem fazia da vontade de “andar e ver o mundo” muito mais do que uma promessa vã.
Com “a curiosidade do mundo” como divisa, as suas crónicas traziam todas as manhãs “a realidade envolta no maravilhoso”, graças a um olhar “arguto e solidário” que escapava “à realidade comprimida dos três ou quatro assuntos” que ditam a atualidade noticiosa.
“Deviam ser estudadas nas escolas de jornalismo”, defendeu o presidente da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Sensibilizado com as palavras, “mas sem falsas modéstias”, Fernando Alves confessou ter dúvidas em assumir-se como jornalista ou cronista. “Não nasci numa redação clássica, mas num caldeirão”, afirmou, em alusão às influências distintas que foi acumulando com o tempo.
Categorias à parte, do que nunca duvidou foi do esmero com que sempre tratou as palavras. “Hoje usa-se um vocabulário mínimo. A palavra perdeu a sua base”, lamentou.