A dois meses de completar 74 anos, Fernando Tordo recusa-se a abrandar o ritmo. Com um disco novo, "Os fados que eu fiz", e projetos novos em andamento, só lamenta não existirem condições no país para absorver a totalidade da sua produção artística.
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Tem um disco novo, outro anunciado para o final do ano e continua ativo nos palcos. A que se deve todo este dinamismo?
Há 57 anos que a minha vida profissional é a música. Às vezes posso parecer menos ativo, mas é só porque há menos informação sobre as coisas. Mesmo com a pandemia - e eu tive covid muita violenta, há um ano -, nunca parei. Este disco foi gravado no confinamento. Cada um dos músicos enviava gravações para a casa dos outros e só nos juntávamos no estúdio para gravar a voz.
Agora é-lhe mais fácil criar?
Já hoje estive a fazer música. E também estive a pintar. É o meu hobby de 16 horas por dia. Estou habituado ao processo criativo desde miúdo e, felizmente, não tenho tido quebras. Não posso é mostrar e gravar tudo o que faço, porque infelizmente não estamos nesse país. Poderia estar sistematicamente a gravar, lançando um disco novo a cada quatro meses.
Não há mercado para isso.
Nem para um disco novo de quatro em quatro anos. Isso causa-me uma grande contrariedade. Gostava de estar muito mais ativo. Mesmo assim, gravo mais do que qualquer outro artista português. Desde sempre. Sinto que esse material pode não ser conhecido no meu tempo de vida, mas há de ser. Por exemplo, tenho um disco em que gravei 12 Prémios Nobel da Literatura em cinco línguas que é absolutamente desconhecido. Sou um criador obsessivo. Aproveitei os 28 dias em que estive hospitalizado para escrever o guião de "Suite das mulheres de azul", que vou começar a orquestrar em breve. Não consigo parar.
Sente que a música o ajudou a superar a doença?
A música já me salvou várias vezes. O meu gosto e necessidade da música é superior a quaisquer outras tentações, que passam pelo álcool e pelos cigarros. Drogas nunca tomei. Tive de criar o hobby da pintura para não sobrecarregar a minha cabeça com música. O que lamento é que as pessoas do meu país desconheçam uma parte substancial dos meus últimos anos de produção.
A quem atribui as culpas?
Ao público não é. Deve-se, acima de tudo, à total impreparação de quem gere as rádios. Sabe há quantos anos não ouço uma canção do Fausto na rádio portuguesa? Seis anos! Se acham que o Fausto é dispensável, então façamos uma coisa muito gira à portuguesa: falemos dos mortos. Fala-se da Amália como se ela estivesse viva. Temos de falar dos mortos, mas também dos vivos.
Causaram forte polémica as suas declarações segundo as quais "90% da música portuguesa atual não tem dignidade". Estava à espera de uma resposta tão forte da classe artística?
O que acho estranho é que se tenham manifestado artistas que eu não quis visar, como a Luísa Sobral ou o Agir. É óbvio que eles estão noutra plataforma cultural. Não percebo porque ficaram tão aflitos. Podiam ter-me telefonado e eu teria tido todo o gosto em explicar, embora saiba que é uma frase que não devia ter dito.
No novo disco, faz uma abordagem contemporânea ao fado. A renovação do fado é desejável?
Mais do que tentar coisas que já foram feitas, como incorporar saxofones, piano ou orquestras, creio que a vertente vocal é uma solução boa. Neste meu disco, fiz isso, ao colocar um grupo vocal, que de vez em quando entra nas canções.
O que distingue a criação de um fado de outra canção qualquer?
Essencialmente é o ritmo. É uma canção marcada pelo bater da viola. A evolução começou nos anos 60 com o Alain Oulman. Mesmo os puristas tiveram de aceitar essa mudança e hoje são consideradas canções emblemáticas.
A sua relação com Portugal está pacificada, oito anos depois de ter ido viver para o Brasil?
O meu problema nunca foi com Portugal. Adoro o meu país. Não aceito é que o Governo português, como aconteceu com o dessa altura, brinque com uma geração que, à sua maneira, tudo fez para que o país fosse melhor.
Pondera emigrar de novo?
Tranquilamente! Se o resultado das próximas eleições apontar para um caminho de Direita, vou-me embora simplesmente. Isto não é para lesar ou incomodar ninguém. É a minha decisão. A mala está aqui ao lado. Um tipo que diz que os velhos são para morrer? Não pode ser! Isso é achincalhar as pessoas. Como é que os portugueses podem admitir isso? Oxalá não voltem a fazer esse disparate.
Ainda a propósito das eleições: mantém a esperança no desenvolvimento do país e no esbatimento das desigualdades?
Mantenho, apesar da péssima relação dos governos com os jovens. Não podemos investir na formação dos filhos para depois nos contentarmos que lhes paguem salários de 1100 euros. Eles pegam no primeiro comboio e vão-se embora. O tecido industrial tem de se reinventar, caso contrário esta geração qualificada sai do país. O meu filho mais novo está a trabalhar no estrangeiro, porque não quis sujeitar-se a esta realidade. É ofensivo e indesculpável. v