Espetáculo de André Amálio e Tereza Havlicková, que passou esta quinta-feira no Teatro Campo Alegre, no Porto, no âmbito do 47.º FITEI, mostrou as ações de violência política em Portugal desde o período de oposição ao Estado Novo aos anos pós-revolucionários
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Da ação da Direção Revolucionária Ibérica de Libertação (DRIL) que, em 1961, sob o comando de Henrique Galvão, sequestrou o paquete Santa Maria na denominada “Operação Dulcineia” (que retira o título de uma peça de teatro de Carlos Selvagem), aos atentados bombistas das Forças Populares 25 de Abril, já nos anos 1980, “Luta armada”, da companhia Hotel Europa, dá conta de um espectro de ações políticas violentas ocorridas em Portugal desde o período da oposição ao Estado Novo até aos anos pós-revolucionários. O espectáculo documental, encenado por André Amálio e Tereza Havlicková, subiu esta quinta-feira ao palco do Teatro Campo Alegre, no Porto, no âmbito do 47.º Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI).
Há uma espécie de cerimónia que antecede o espetáculo: ainda no foyer do teatro, os atores apresentam as suas biografias, enunciando tudo aquilo que podem agora fazer e não podiam antes do 25 de Abril, como andar de mão dada com um companheiro do mesmo sexo ou seguir uma carreira artística. Perguntam também, e perguntarão no fim, o que falta ainda cumprir do 25 de Abril. Segue-se a entrada para o auditório, onde é pedido ao público para apresentar o cartão de cidadão, sendo feitas algumas revistas pelos atores. Mais tarde, será dito que há arquivos com o nome de denunciadores afetos ao regime de Salazar, e que alguns deles se encontram na plateia.
Fundada numa ampla investigação sobre os movimentos de luta armada no país - e alguns desses materiais, como o livro de Miguel Carvalho “Quando Portugal ardeu” ou “Luta armada”, de Isabel do Carmo (co-fundadora das Brigadas Revolucionárias), são lidos em palco pelos atores -, a proposta da Hotel Europa é fluida e criativa na apresentação cronológica dos episódios e organizações ligados à violência política.
Transformados em grupo musical, os actores criam banda sonora para situações como o assalto a uma agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967, pela Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR) sob a liderança de Palma Inácio, ou a destruição de helicópteros e aviões na base aérea de Tancos, em 1971, pela Acção Revolucionária Armada (ARA), braço armado do PCP ativo entre 1970 e 1973.
Alternando, em modo rapsódico, entre o relato das operações e a encarnação das figuras envolvidas, através de diálogos e entrevistas imaginárias, sempre com assertividade e humor, percorre-se também o PREC e as ações contra-revolucionárias da rede bombista de extrema-direita, formada pelo Movimento Democrático de Libertação Nacional (MDLP), ligado ao general Spínola, o Exército de Libertação de Portugal (ELP), de Barbieri Cardoso, e o Movimento Maria da Fonte, benzido pelo cónego Melo. Destruição de sedes de partidos, assassinatos, tentativas frustradas de golpe de Estado, como a intentona do 11 de março de 1975.
Não é um espetáculo neutro, posiciona-se claramente à esquerda, por vezes de modo excessivamente didático, mas não deixa de fazer a condenação dos atentados das FP 25 de Abril, que fecham o arco da luta armada em Portugal na segunda metade do século XX.