Festival de Poesia e Música alia aniversário à comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Mantém o perfil multidisciplinar, com atividades da literatura às artes plásticas, mas reforçando a relação com os jovens.
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Esta terça-feira de manhã, da Estação de S. Bento, no Porto, parte um comboio com um destino fora do comum: a palavra. Ou melhor, a palavra não é apenas o destino, mas é também o arranque e o próprio percurso. Trata-se da grande novidade do Festival de Poesia e Música de Vila Nova de Foz Côa, que, esta edição, ao comemorar 40 anos de existência, fará as honras da casa com uma comitiva especial – chegada de comboio, repleta de jovens sedentos de novas experiências e, claro, muita poesia.
Dentro do “Comboio Literário”, que terá paragem na estação do Pocinho, marcam presença mais de 20 estudante do Balleteatro do Porto – também eles parte da própria programação, com uma performance executada sob o poema de Daniel Filipe, “A invenção do amor”. Na viagem que atravessa toda a paisagem do Douro, o ator Rui Spranger e o músico Blandino Soares serão responsáveis por, ao longo de três horas, animar “a malta” com o que o nomeia (e representa) o festival: poesia e música.
Jovens como garantia do futuro
Ainda que a procura por atrair a juventude para o certame tenha sido sempre uma preocupação, tanto pela dinamização musical como pela aposta em jovens poetas, começa por assinalar o diretor Jorge Maximino, este ano “era ainda mais urgente integrá-los”. “À nossa própria celebração juntamos a celebração dos 50 anos do 25 de abril, mas não podíamos fazer uma iniciativa sob o signo da memória sem contar com os jovens.” São eles o futuro e, por isso, são eles “o garante da continuidade dos projetos”, como é o do festival, e “da coesão em termos sociais e de valores, a da liberdade acima de todas”.
E os jovens querem ser integrados na poesia? Jorge Maximino, também fundador do evento, assegura que “há um interesse renovado pela poesia por parte dos jovens”. Especialmente quando se faz a ligação desta com a música. Nesse campo, a programação de 40 anos do festival literário conta com conversas-concerto de Rita Redshoes e Marta Ren, a 24 e 26 de abril, respetivamente. Há ainda atuações a cargo de Chalo Correia e de Azar Azar e Maze. Mas não é só na música que entram os mais novos, que, além do Comboio Literário e do espetáculo de dança já referidos, têm na programação mais um momento dedicado a si: alunos do secundário vão plantar árvores no jardim da escola depois de uma sessão de leitura de poemas.
Fomentar o espírito crítico
A liberdade, ainda que se celebre com pompa e circunstância nos 50 anos da democracia, foi, a par com a juventude, uma das fundações do evento de poesia desde a sua criação. “Este é um festival de resistência. Primeiro, porque foi preciso muita persistência, não só para criar o festival como para o manter, não obstante as várias interrupções que ele teve. Em segundo porque é o mais diferente dos encontros de poesia. Este é o lugar da palavra, não só da poética, mas da palavra em geral, tornando-
se um festival multidisciplinar.” Jorge Maximino acredita que a poesia é o veículo para alcançar o grande objetivo: fomentar o espírito crítico de todos e todas.
Sendo um festival “filho da revolução de 1974”, como apelida Maximino, foram as primeiras edições, “nascidas do ambiente de mudança ainda sentido na altura”, as que mais marcaram o programador. “Nestes 40 anos, os três primeiros anos merecem o grande destaque, não só porque foram os que mais contribuíram para a consolidação do festival na sua dimensão nacional e repercussão na própria região, mas pelos públicos que fizeram convergir.” Num local, ainda mais à época do que nos dias de hoje, inusitado. Em 1984 a 1986, rumaram a Foz Côa nomes como Ernesto Manuel de Melo e Castro, Natália Correia, Egito Gonçalves ou João Rui de Sousa, entre outros.
As barreiras mantém-se
E é hoje mais fácil reunir os grandes nomes (e os ainda em começo de carreira) na poesia no interior do país? Nem por isso, atira Maximino. “Eu diria que é ainda mais difícil hoje, não só pela falta de recursos, mas também pela perda de população na região, que leva à perda de público.” O diretor acrescenta ainda um outro obstáculo: a concorrência, tanto pela maior oferta cultural hoje existente, mas principalmente por aquela que é “desleal”, como apelida as programações “em pacote” vendidas aos municípios e com preços com os quais os programadores independentes “não conseguem competir”.
No entender do diretor, a abertura à internacionalização é o grande desejo que, ao longo das quatro décadas de existência, ainda não se consolidou. “Sobretudo por falta de meios, em particular financeiros”, indica. Ainda assim, da edição que arranca esta terça-feira salienta-se a presença de poetas angolanos, como Zetho Gonçalves e David Capelenguela.