Franck Dubosc é argumentista, realizador e intérprete de “Como Matar e Ganhar”.
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Para evitar um urso, nas montanhas nevadas do Jura, um homem provoca um acidente. Juntamente com os cadáveres, descobre um saco cheio de dinheiro. Será a salvação para o seu casamento? A comédia policial “Como Matar e Ganhar” foi escrita, realizada e interpretada pelo veterano ator Franck Dubosc, que nos recebeu em Paris.
Ao conceber o filme pensou em “O Terceiro Tiro”, de Alfred Hitchcock, onde uma comunidade descobre um cadáver nos seus terrenos?
Sim e não. Também se fala muito de “Fargo”. Mas neste filme ressurge todo o cinema da minha infância. Francês e americano. Há por aqui muitos filmes que vi e que se misturam, sem saber mesmo bem quais. Acima de tudo, o que procurei foi o prazer jubilatório de gente ordinária, no sentido de normal, a quem acontecem coisas extraordinárias.
Foi esse o ponto de partida para a escrita do argumento?
Quis partir desse princípio, sim. O que fazemos, quando descobrimos um cadáver, quando descobrimos um saco com dinheiro? Quis partir desse princípio, sim. Eu próprio não sei se teria coragem para ficar com o dinheiro. Mas inventei personagens que têm essa coragem, se assim posso dizer, de guardar o dinheiro e esconder os cadáveres. O cinema é isso, para mim. Fazer viver coisas extraordinárias a pessoas que o não são.
O filme dá uma visão muito negativa das instituições, toda a gente fecha os olhos. É o cidadão comum contra um sistema que acha que está sempre contra ele?
Gosto desse lado imoral. No fundo toda a gente no filme é imoral. Quando fazemos uma comédia podemos dizer tudo. Propomos qualquer coisa ao espetador, sem lhe dar uma lição. Não quis dar nenhuma lição, apenas rir-me daquelas personagens todas. Até o padre é imoral. Não quis desculpar ninguém. Mas se não fosse uma comédia, não seria realista, há sempre alguém com mais moral que as outras.
Um aspeto tocante da história é a relação da sua personagem com a mulher, este acontecimento ocorre no meio de uma crise matrimonial.
É o meu ponto forte do filme. Adoro as histórias de gangsters, mas em todos os meus filmes como realizador, é verdade que são apenas três, mas gosto sempre de mostrar relações humanas. A história de um amor que se apaga entre este casal é o que mais me interessava. Começo com um casal que quase não se fala e acabo com o mesmo casal bastante apaixonado. E era preciso uma história pelo meio que os levasse a esse ponto.
No final, sem desvendar muito da história, nem é o dinheiro que os salva.
Eles reencontraram-se. Quando nos acontece algo de grave, começamos a falar. Foi isso que me deu mais prazer a desenvolver. O lado humano deste casal com um filho jovem.
O polícia também tem uma relação complicada com a filha.
No caso do polícia é a ex-mulher que vem festejar o Natal com o novo namorado. Quis que cada uma das personagens tivesse uma história mais importante que o caso policial.
O Benoit Poelvoorde é um comediante extraordinário. Foi necessário de certa forma acalmá-lo, para não desequilibrar o filme?
Tive de fazer isso com toda a gente. Logo de início disse-lhes que a representação de todos tinha de ser num tom sério. Era a história e as situações que iam fazer rir as pessoas, não eles, os atores. Não estávamos no domínio da comédia burlesca. E foi assim que eles trabalharam, como se estivéssemos num drama. É isso que faz rir.
Imagino que o Benoit Poelvoorde seja na vida um pouco como o vemos habitualmente nos filmes.
Sim, é uma pessoa extravagante, mas por vezes olhamos para ele e está sentado à mesa, a desenhar, muito calmo e tranquilo. É uma pessoa muito inteligente e culta. Era esse Benoit que eu queria, alguém com o peso da vida bem em cima dos ombros. E eu disse-lhe que há muito tempo que não o víamos assim no cinema.
Foi por haver essa relação entre homem e mulher que escreveu o guião com outra argumentista, a Sarah Kaminsky? Como é que dividiram o trabalho?
Não houve divisão, trabalhámos mesmo em conjunto. Eu tinha as minhas ideias, coloquei em cima da mesma todos os meus desejos, o meu ponto de partida e depois escrevemos mesmo em conjunto, a quatro mãos, diariamente. Eu trabalhei um pouco mais os diálogos, gosto muito de o fazer, depois lia-lhes, ela gostava ou não, e continuávamos.
Filmar naquela região, nas montanhas do Jura, era uma necessidade do guião?
Queria filmar numa região muito rural, fronteiriça, porque há os traficantes de droga e que fosse muito cinematográfica. Queria evitar os Pirenéus e os Alpes, não queria estâncias de esqui, queria mostrar uma França muito dura, sobretudo no inverno. E fiquei apaixonado pelo Jura quando vi as fotografias, antes de ir lá ver. É um local magnífico para filmar.
Como é que foram recebidos pelas pessoas?
As pessoas moram todas longe umas das outras, as casas são muito isoladas, mas conhecem-se todos. Enquanto nas cidades moramos todos em cima uns dos outros mas por vezes não conhecemos os nossos vizinhos.
Há mais dois filmes franceses recentes filmados no Jura…
É uma mera coincidência, o meu filme nem sequer foi apoiado financeiramente pela região. Mas é uma bela coincidência, porque o décor natural é formidável e tem muitas histórias para contar. Não vi ainda os outros filmes, mas penso que há em todos uma vontade de ir filmar as pessoas de lá, não é apenas um cenário bom para filmar. Talvez hoje em dia as pessoas mais verdadeiras vivam em locais como aquele, de difícil acesso.
Este é o seu terceiro filme como realizador, mas como ator tem uma longa carreira cheia de sucessos. O que o levou a deixar a sua zona de conforto?
Eu gosto de contar histórias. Já tinha escrito ou colaborado na escrita de outros filmes em que era apenas ator. Um dia tinha pensado na história de um homem que tenta seduzir uma mulher deficiente fingindo também o ser, e foi um amigo produtor que me disse que desta vez tinha de ser eu a realizar o filme. Não estava convencido, mas quando acabei de escrever percebi que só eu podia pôr em imagens “Assim Não Vais Longe” como o tinha na cabeça. Gosto da ideia que estas histórias me pertencem até ao fim.
E aqui há também o desafio de ter de estar em frente e atrás da câmara. Como é que foi essa ginástica?
Por acaso, de todos os meus três filmes, este é aquele onde estou menos em cena. Mas gosto muito desse momento em que estou com os outros atores, olhos nos olhos, mais perto do que se estivesse apenas atrás da câmara. Talvez para os outros atores seja mais difícil, porque tem à frente o ator e o realizador. Mas sei que um dia vou fazer um filme apenas como realizador.
Muitas vezes os atores realizam filmes pelo seu ego, as suas personagens são os heróis. Mas aqui a sua personagem está cheia das fraquezas de um ser humano.
Escolhi uma personagem que está um pouco na retaguarda. Para não ter dificuldades suplementares no meu trabalho, mas sobretudo porque gosto muito de ver os outros atores representar os seus papéis. Gosto mais de escrever e de dar os melhores papéis aos outros.