“Cantar de galo (old cock)”: nova peça da companhia Mala Voadora estreia este sábado no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto. No sábado há nova récita.
Corpo do artigo
Um confronto entre o galo de Barcelos e o mais longevo ditador europeu, António de Oliveira Salazar, só seria permitido no teatro – neste caso é pela Mala Voadora e surge inserido na 47.ª edição do FITEI em “Cantar de galo (old cock)”. Há duas récitas: esta sexta-feira, às 19 horas; e no sábado, às 21 horas, ambas no auditório da companhia portuense, na Rua do Almada.
Aquela licença poética foi magistralmente tomada por Robert Schenkkan, dramaturgo norte-americano, vencedor do Prémio Pulitzer de Teatro que esteve em residência na Mala Voadora, e decidiu explorar a história que esconde “a ave mais bela e inigualável, entre as bugigangas e bibelots para turistas que passeiam em Portugal o seu escaldão e a sua ressaca”.
Schenkkan regala-nos com um monólogo para Jorge Andrade, que veste a pele (e as penas) do galo de Barcelos.
O texto é extremamente vívido e a hilaridade entra bruscamente na forma como descreve uma história grotesca, passada no tempo “em que os ricos comiam os pobres e palitavam os dentes com os seus ossinhos”.
O figurino do galo de Barcelos que bebe Super Bocks durante a sua demanda por justiça é assombroso. Mas se a lenda deste galo é “comovente de fé, justiça e boa sorte”, ele não se contenta em ser só um símbolo nacional. Até porque diz: “Toda a gente gosta de pito”.
Afinal acabou cozinhado, estripado e com um limão no rabo. Sem que tenha pedido para ser ressuscitado, decide pedir contas a António de Oliveira Salazar, que aparece aqui como o seu “inventor”. Recorrendo à tecnologia do “deepfake”, o ditador conta a sua versão dos factos, porque, como explica, “a falsidade ocasional é útil”.
Dar veneno a quem nos envenena é uma forma de revanche, a fórmula de usar a manipulação contra os manipuladores.
O galo acaba por deixar o ego de Salazar de rastos, e se entra de peito cheio com a certeza de que o povo português o adora, o galo desmente-o, deixando-o como o juiz com a “virilidade mirrada, como um ratinho castanho num saco de serapilheira”.