O cineasta britânico Gareth Edwards fala ao JN do épico de ficção científica “O Criador”, já nas salas portuguesas.
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Antigo especialista em efeitos visuais e realizador de “Godzilla” e “Rogue One: Uma História de Star Wars”, o britânico Gareth Edwards situa-se como o novo mago do cinema de ação, aventura e e ficção científica de Hollywood com “O criador”, em estreia nos cinemas. Uma obra passada num futuro muito longínquo onde se trava uma guerra entre a raça humana e robôs criados por Inteligência Artificial (A.I.). Estivemos a conversar com o realizador e esta nova tecnologia foi o tema mais em debate.
O seu filme é um filme de ação e aventura, mas fala-nos de muita coisa que se passa hoje no mundo à nossa volta, tem essa dimensão política.
Não foi totalmente intencional. Quando comecei a escrever o filme a ideia da A.I. era inda um sonho, como viver na Lua. Era ficção científica. Nunca pensei que acontecesse durante a minha vida. Depois decidimos trabalhar num clima de guerra. Há cinco anos seria datado, há dez anos seria datado. Há sempre uma guerra algures no mundo.
Como neste momento entre a Rússia e a Ucrânia…
Há uma sequência no filme com tanques gigantescos, a invadir uma pequena aldeia. Precisávamos de soldados de aspeto ocidental. Estávamos a filmar na Tailândia, durante a pandemia, e a única solução era usar expatriados russos e ucranianos. No próprio dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia tivemos russos e ucranianos a fazerem de soldados. Estávamos a filmar e a ver nos nossos telefones os tanques russos a entrar na Ucrânia.
Que reação é que eles tiveram?
Foi muito estranho. O mais interessante é que durante as pausas os russos e os ucranianos falavam uns com os outros, como se fossem todos amigos. Foi um momento revelado. Quando conhecemos alguém que é suposto ser nosso inimigo, é difícil ter-lhe ódio. Nesse dia isso ficou muito visível à nossa frente. Quando vemos o filme, vemos soldados a correr de um lado para o outro com metralhadoras. São uma mistura de russos e ucranianos, a trabalhar na mesma equipa, o que é fascinante.
Na cultura popular e também em Hollywood, a A.I. é vista como uns robôs que são sempre os vilões. No seu caso, vê alguma utilização útil desta tecnologia?
Seguramente. Dou o exemplo do Photoshop. Conheço muito bem o inventor, o John Knoll foi um dos argumentistas de “Rogue One”. Quando surgiu, toda a gente entrou em pânico, era o fim da pintura e do desenho gráfico. A minha esperança é que, depois de um pânico inicial, daqui a cinco ou dez anos vamos olhar para trás e ficar contentes por a A.I. ter aparecido. Há uma pequena possibilidade de que possa correr mal. Não somos muito inteligentes a meter o génio dentro da garrafa.
Hoje em dia os blockbusters custam mais de 200 milhões de dólares. Como é que conseguiu fazer o seu filme por 80 milhões?
Quando ouço esse número, tenho de dizer que 80 milhões de dólares é uma pipa de massa. Fico embaraçado pelo filme ter custado esse dinheiro. Disse aos meus produtores que ninguém estaria autorizado a dizer que não se tinha conseguido fazer qualquer coisa porque só tinha custado 80 milhões de dólares. Com este dinheiro pode fazer-se tudo. Não se pode dizer que não há dinheiro para ir filmar ao Nepal. Só preciso de dez pessoas e vinte bandeiras do Nepal. Isso custa no máximo 20 mil dólares.
Como é que conseguiu esse equilíbrio até ao fim?
O mais importante é manter o controlo sobre a maneira como o filme está a ser feito. O produtor deste filme é o produtor do meu primeiro filme. Éramos só cinco numa carrinha, no México e na América Central. Foi uma rodagem em modo de guerrilha e quis fazer o mesmo com este filme. Andámos à procura de um estúdio que tivesse a coragem de o fazer e felizmente a New Regency foi suficientemente louca para o aceitar. Se não tivermos a ousadia de dar este passo faremos sempre a mesma coisa.
Só se viram as primeiras imagens deste filme quatro meses antes da estreia, ao contrário de Godzilla ou Rogue One.
A vantagem foi não termos uma grande base de fãs a descortinar tudo o que andávamos a fazer. Mas também não os tínhamos todos à espera da estreia para o ir ver. Agora temos de andar a dizer às pessoas que há este filme chamado “O Criador”. Tentamos fazer algo de diferente, mas se for demasiado diferente as pessoas não percebem. Vamos ver o que se passa. Quando era miúdo todas as semanas havia um filme de ficção científica a estrear. Quis escrever uma carta de amor a todos esses filmes que vi.
O filme passa-se num futuro ainda algo distante, mas a guerra entre a humanidade e os robôs já começou, quando milhões de trabalhadores são substituídos por máquinas e o sistema não resolve o problema do desemprego.
A maior parte dos especialistas em A.I. com quem falei só veem o lado positivo. Podemos vir a ter no nosso telefone acesso ao melhor médico do mundo. A Inteligência Artificial pode vir a curar o cancro. Há prós e contras. A verdade é que os empregos vão mudar. Quando se inventou a eletricidade, o automóvel ou os computadores, os empregos mudaram. Quem quereria viver hoje num mundo sem eletricidade? Tenho uma grande esperança que daqui a alguns anos o mundo será muito melhor.
Quando começou a escrever o filme pensava que o tema ia estar assim tanto na ordem do dia?
Não podia imaginar, de todo. Se o imaginasse teria abordado o filme de forma um pouco diferente.
Até que ponto o seu filme pode contribuir para a discussão em torno da A.I.?
Há duas maneiras de olhar para esta tecnologia. Como uma ferramenta, sem consciência, todo o mal que possa fazer tem a ver com a forma como a usamos, ou então é consciente, como nós. Eu não queria ser uma criatura com Inteligência Artificial. Devia ser horrível. Ganhava existência, sem saber porquê e tinha de processar milhões de números todos os dias. Toda a gente me faz perguntas sobre o futuro, mas quem responder a essa pergunta volta aqui dentro de dez anos e vai parecer um idiota.
Se alguma criatura de Inteligência Artificial fosse ver o filme, o que pensaria?
Acho que ia gostar. Mostramos alguma empatia para com eles, de uma forma que a maior parte destes filmes não faz. O que quisemos fazer de diferente foi humanizar a Inteligência Artificial e manter o espetador dividido entre o que é o Bem e o que é o Mal.