Svetlana Zakharova, estrela maior do Bolshoi Ballet e do Teatro La Scala, chorou depois da apresentação de "Silentium" em Moscovo. O momento foi a face visível de um conflito silencioso que está a afetar os artistas.
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Svetlana Zakharova é primma ballerina, tendo alcançado todos os prémios possíveis no mundo da dança clássica. Aos 42 anos, a bailarina de nacionalidade russa nascida em Lutsk, na Ucrânia, tornou-se um alvo fácil para quem a quer tornar um símbolo do conflito em curso. Como consequência, desapareceu da vida pública e tornou privadas todas as contas nas redes sociais, dada a quantidade de insultos que recebeu desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia.
A neutralidade e o silêncio tornaram-se impraticáveis. "De acordo com as ações criminosas do Governo Russo, renunciamos ao nosso nome anterior. Acreditamos que a Ucrânia e o resto do Mundo vão derrotar os invasores russos e a paz será restaurada na nossa terra. Glória à Ucrânia." Foi com esta mensagem que a companhia Royal Russian Ballet justificou a mudança para Royal Ukrainian Ballet. A companhia passou por Portugal em janeiro, onde perdeu um dos seus membros, Ilya Romanskiy, num acidente na praia de Canidelo, em Vila Nova de Gaia.
A Royal Opera House, em Londres, cancelou a digressão do Ballet Bolshoi devido ao ataque à Ucrânia. "Uma temporada de verão do Bolshoi Ballet na Royal Opera House estava na etapa final de planeamento", afirmou a instituição em comunicado. "Infelizmente, nas atuais circunstâncias, a temporada não pode ir adiante", concluiu sem mais explicações. Também a companhia Russian State Ballet of Siberia, que se apresenta no Reino Unido desde 2007, deveria completar uma temporada no Royal & Derngate em Northampton apresentando "Cinderela" e "O quebra-nozes". Mas, no passado sábado, o teatro tuitou: "Dada a situação na Ucrânia, o Royal & Derngate tomou a decisão de cancelar as apresentações de hoje do Russian State Ballet". As apresentações desta companhia também foram canceladas em Wolverhampton. Na passada sexta-feira, o teatro Helix, em Dublin, cancelou uma apresentação de "O lago dos cisnes" pelo Royal Moscow Ballet "para se solidarizar com o povo da Ucrânia".
A Ópera de Paris também separou rapidamente as águas. "A história da Opéra National de Paris é rica em laços fortes e estreitos entre a França e a Rússia, encarnados por artistas, compositores, dançarinos ou coreógrafos como Serge Diaghilev, Modeste Moussorgski, Rudolf Nureyev, Marius Petipa, Sergueï Prokofiev, Igor Stravinsky ou Piotr Ilitch Tchaikovsky. Todos deixaram marcas profundas no repertório lírico e coreográfico da nossa instituição e a Ópera continuará a dar vida ao seu património. No entanto, a temporada atual não prevê colaboração com instituições culturais russas. A Ópera terá o cuidado de não se envolver com elas ou com artistas que expressaram publicamente o seu apoio ao regime. A Ópera de Paris expressa a sua solidariedade com os artistas que se opõem à agressão decidida pelas autoridades russas e saúda a decisão daqueles que puseram fim às suas atividades ligadas a este regime", declarou a instituição.
Também o Festival de Castell de Peralada, na Catalunha, cancelou a apresentação do Ballet Mariinsky, de São Petersburgo, que deveria abrir o certame em julho. A direção declarou que a sua atitude era uma "mostra de mobilização e um apelo para que cesse de imediato a guerra, juntando-se ao apelo maioritário dos teatros e festivais europeus contra a guerra. Neste sentido, o festival reivindica a necessidade de um posicionamento claro das instituições artísticas e dos seus dirigentes contra a guerra e um compromisso com a paz".
Em Itália, o maestro russo Valery Gergiev, do Teatro La Scala, em Milão, conhecido como pró-Putin, foi intimado a tomar uma posição pública sobre o conflito. Como não o fez, limitando-se a que a instituição descreveu como um "silêncio ensurdecedor", foi afastado e não subirá àquele palco quando a produção for retomada este sábado. Também o Carnegie Hall de Nova Iorque e a Filarmónica de Munique fizeram a mesma exigência a Gergiev. O resultado repetiu-se: na ausência de resposta do maestro, deu-se o seu afastamento. Neste dominó seguiram-se a soprano Anna Netrebko e a mesmíssima Svetlana Zakharova, também estrelas do Teatro la Scala.
Igualmente esta sexta-feira, o festival de cinema Fantasporto retirou o filme russo "Vladivostok", do realizador Anton Bormatov, da programação deste ano e manifestou solidariedade com a Ucrânia. "O Fantasporto não pode deixar de se solidarizar com o sofrimento dos ucranianos e com a defesa da Democracia", escreveu a organização do festival em comunicado.
"Face à situação criada pela invasão russa na Ucrânia", a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva também anunciou que irá receber quatro artistas no imediato, a quem "será atribuída pela Fundação uma bolsa mensal de 650 euros, por um período a definir, que lhes permita a continuação do seu trabalho em segurança - agora no atelier que foi de Maria Helena Vieira da Silva e de Arpad Szenes", disseram em comunicado.