"O livro dos gatos práticos do velho gambá", um clássico infantil de T.S. Eliot, surge agora renovado numa irrepreensível tradução de Daniel Jonas. A edição é da Assírio & Alvim.
Corpo do artigo
Não é em vão que os poetas parecem gostar tanto de gatos (já o inverso é outra história...): o mistério que cada um deles carrega torna-os mensageiros especiais de uma qualquer divindade secreta que nunca nos é revelada na plenitude, por mais esforços que façamos nesse sentido (e nos outros também). Magnânimos e indolentes, mas nunca servis, conservam todas as virtudes dos homens sem os seus vícios, como escreveu Lord Byron: "beleza sem vaidade, força sem insolência, coragem sem ferocidade".
A justa fama destes felinos como os mais literários dos animais tem em T.S. Eliot um dos seus grandes cultores. Os poemas aparentemente despretensiosos que escreveu para amigos e familiares - enviados por carta durante logos meses - granjearam uma popularidade tal que a sua publicação em livro, no ano de 1939, foi quase uma inevitabilidade. Assim como o imenso acolhimento registado, surpreendente até o próprio poeta e ensaísta naturalizado britânico em 1927.
Nesta dezena e meia de poemas fortemente marcados pela musicalidade e pelo ritmo, os gatos assumem a sua condição de senhores do universo. Tão poderosos que são até capazes de transmitir a ilusão contrária, para grande contentamento nosso.
Como o Rão Tão Estirão, um dos felpudos protagonistas destas histórias: "Se lhe ofereceres faisão, diz que prefere tetraz/Se num apartamento o pões, querias mais mansão/E se o pões na mansão, queria apartamento, aliás/Se lhe deres um ratinho antes pede um ratão/E antes um ratinho se um ratão alguém lhe traz/Curioso Gato o Rão Tão Estirão/E não adianta nada reclamar/Pois há de dar/Por onde der/E não adianta, nada a fazer".
Muitas outras estirpes de gatos se espreguiçam pelos poemas. Gatos como Mungojerrie e Rumpelteazer, "palhaços chalupas, funâmbulos e acrobatas, cómicos manhosos"; Tigrunho, "um gato do mais bravo dos que vão pró alto mar", ou Macavity, "gato-mistério" que consegue ter sempre o álibi perfeito à hora do crime.
Muito distintos, afinal do cão, que "por não ter orgulho" "é tratado abaixo de um", como escreve Eliot.
Para a excelência deste volume contribui em muito a tradução de Daniel Jonas, capaz de transportar para o idioma pátrio a agilidade linguística e a fluência narrativa originais.