Autor de “Fighting fantasy”, Ian Livingstone esteve na Feira do Livro de Lisboa, marcando o relançamento da saga de culto em Portugal.
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Mais de duas décadas depois, os livros “Fighting fantasy” estão de volta a Portugal. Nos anos 1990, editados então pela Verbo, chamavam-se “Aventuras fantásticas”, livros-jogo “onde o leitor é o herói”, escolhendo a aventura e decidindo o rumo da história. Durante anos, foram relíquia de alfarrabistas e de plataformas de segunda mão, mas voltam agora a ser editados no nosso país, pela Porto Editora: adotando o nome inglês da coleção, mantendo as icónicas ilustrações originais e apresentando uma tradução revista, adiantou a chancela ao JN.
A propósito desta reedição, que, dada a vastidão da coleção, será progressiva, Sir Ian Livingstone, uma das mentes por detrás da saga, fundador em 1975 da empresa de jogos Games Workshop com Steve Jackson, esteve em Lisboa onde falou ao JN sobre como tudo começou; como continua a reunir-se com um “grupo de jogos” todas as semanas; e como em primeiro lugar, esteve o xadrez.
“Tenho mais de 1500 jogos em casa, mas começou com o xadrez. Comecei muito novo, não havia muitos jogos, era Monopólio, Cluedo e xadrez”, explicou o também autor de “Dice men”.
Como tudo nasceu
Em jovem, anos 70, Ian partilhava um apartamento em Sheperd’s Bush, Reino Unido, com Steve Jackson e John Peake. “Todos tínhamos trabalhos fracos e mal pagos, e passávamos o tempo livre a jogar jogos de tabuleiro. E pensávamos como seria ótimo se pudéssemos tornar o nosso hobby em algum tipo de negócio”, contou.
Começaram por lançar uma fanzine para a comunidade de jogos, a Owl & Weasel, sendo que, “de alguma maneira”, um exemplar chegou ao outro lado do oceano: aos EUA, a Gary Gygax, que acabara de criar o primeiro jogo de RPG do Mundo, “Dungeons & Dragons”. Estávamos em 1974.
“Recebemos uma carta de Gygax, que tinha acabado de criar o jogo, a pedir a nossa opinião”, refere o autor. A partir daí fez-se história: em 1975 os amigos fundaram a Games Workshop, empresa responsável, entre outros feitos, por trazer o “D&D” para a Europa. Por causa da empresa, organizavam atividades e “dias de jogos”, com milhares de fãs. Até que uma editora da Penguin Books sugeriu a Ian e a Steve escreverem um livro. Os amigos gostaram da ideia, mas, em vez de escreverem um livro sobre o hobby, sugeriram “um livro que nos permita experimentá-lo, ter uma experiência de jogo’”.
Nasceu a ideia, mas faltava o desafio: transformar jogos de “role play” em formato de livros. Os autores fizeram-no criando perguntas de múltiplas escolhas “e ligando um sistema simples para fazê-lo mais como um jogo, para que se consiga vencer monstros e abrir e encontrar coisas, descobrir tesouros que pode guardar, uma experiência interativa”.
Lançado em 1982, “O feiticeiro da montanha de fogo” foi quase ignorado ao início (“ninguém sabia como fazer marketing de uma coisa destas”, conta-nos o escritor), mas ganhou uma enorme fama no passa-palavra, entre jovens, nas escolas.
A explicação é simples: pela primeira vez, os leitores podiam escolher o seu caminho, e enfrentar as consequências das suas decisões numa narrativa interativa, enfrentando monstros, ou julgamentos. “Era isso que era muito empolgante. A participação é muito poderosa”, refere Sir Ian, contando que desde então, e ainda hoje, lhe vão chegando relatos de pessoas de todo o Mundo.
Desde o lançamento, “O feiticeiro da montanha de fogo”, escrito a meias com Steve Jackson – depois os dois autores fariam volumes separados –, vendeu 21 milhões de exemplares em todo o Mundo e foi traduzido para 30 línguas. Posteriormente, Livingstone escreveu mais dezenas de livros mesma coleção, que celebrou o seu 40.° aniversário e largos milhões de cópias vendidas em 2022; e será agora relançada em Portugal, acompanhando um ressurgimento também noutros locais do Mundo.
Reforma? Nem pensar
Entretanto, Sir Ian continua a escrever. E a jogar. “Tiro notas em qualquer lado do Mundo, de pessoas, lugares, algo que possa entrar nos meus livros, é uma pesquisa constante”. Uma paixão que não tenciona largar. “Juntei-me à indústria de jogos não muito depois de o xadrez ser inventado (risos), e gostei de todos os minutos desde então. Nunca me quero reformar, e espero que ainda tenha mais alguns livros de jogos em mim, porque sou tão feliz e privilegiado, sabendo que as pessoas continuam a gostar deles mais de 40 anos depois”, frisa. E conclui: “É incrível saber que estes livros sobrevivem ao teste do tempo. Para mim a vida tem sido um jogo, e nunca vou parar. Espero que ninguém pare. Serem republicados em Portugal é maravilhoso”.