Insónia é uma herança evolutiva, defende autor de "Dormir como um Homem das Cavernas"

Merijn Van de Laar é especialista em sono e psicólogo e acaba de lançar o livro "Dormir como um Homem das Cavernas"
Raal Limpens
O psicólogo e especialista em sono Merijn Van de Laar acaba de lançar "Dormir como um Homem das Cavernas", um livro que promete mudar a forma como entendemos a insónia. Em entrevista ao Jornal de Notícias, o autor explica que tudo começou com a sua própria dificuldade em dormir, muito antes de começar a tratar pacientes.
"Honestamente, tudo começou com a minha própria insónia", conta. "O que mais me frustrava não era apenas a insónia em si, mas os conselhos que as pessoas me davam: "Apenas relaxa", "vai para a cama mais cedo", "não penses nisso". "Quanto mais tentava seguir essas dicas, pior ficava", recorda. O momento decisivo surgiu quando percebeu que a insónia não significava que o corpo estava com defeito, mas sim que "estava a responder exatamente como um corpo humano evoluiu para responder, só que num ambiente para o qual não foi desenhado".
"Vivemos dessincronizados da nossa biologia"
Para Van de Laar, a vida moderna - luz artificial abundante, horários imprevisíveis e estímulos constantes - criou um fosso entre a biologia humana e o ambiente em que vivemos. Essa foi a semente do livro, que nasceu "primeiro de uma perceção pessoal e depois científica". Após anos a trabalhar com pacientes, identificou três erros comuns que alimentam a insónia: forçar o sono como se fosse uma tarefa, desvalorizar o papel dos ritmos biológicos e culpar-se pelo que, muitas vezes, é o resultado de um ambiente "profundamente desregulador".
Porquê o "Homem das Cavernas"?
No livro, a figura ancestral é usada quer como metáfora, quer como enquadramento científico. "A nossa biologia do sono foi moldada em condições de escuridão, quedas de temperatura, movimento natural e segurança social", explica. "Nada disso existe da mesma forma hoje". Dormir como um "homem das cavernas", diz, significa simplesmente "dormir de uma maneira que o corpo entende". Uma das ideias mais inesperadas do autor é que a insónia pode ter sido uma vantagem evolutiva. "Ter sono leve ou acordar durante a noite não era uma falha, provavelmente era uma estratégia de sobrevivência", afirma. Em grupos ancestrais, indivíduos mais despertos garantiam vigilância contra predadores. "Quando alguém me diz: "Acordo facilmente, acho que o meu corpo está com defeito", às vezes respondo: "Não tem defeito, é descendente dos vigias noturnos".
O que os nossos ancestrais faziam melhor
Estudos com comunidades caçadoras-recoletoras atuais oferecem pistas: "Dormem com quedas naturais de temperatura, movem-se muito mais durante o dia e têm limites sociais claros entre dia e noite. O segredo era consistência, escuridão, fadiga física e menos preocupação com o próprio sono". Questionado sobre o maior obstáculo ao sono moderno - café, ecrãs ou iluminação artificial - Van de Laar é claro: "Se tivesse de escolher, a luz ambiental na hora errada é o maior perturbador". A luz artificial à noite diz ao corpo "fica acordado, é dia", e desorganiza completamente o ritmo circadiano. "Quando o maestro está confuso, tudo o resto desmorona", defende. Para o autor, a qualidade do sono depende tanto da ciência quanto da autoperceção. "A ciência dá os mapas; a introspeção diz-nos como percorrê-los". A boa higiene do sono, afirma, é "uma parceria 50/50 entre biologia e psicologia". "Não se dorme bem num ambiente biologicamente caótico, mas também não se dorme bem num ambiente psicologicamente inseguro. O sono é onde o corpo e a mente negociam a paz".
Recomendações para Portugal: "Antecipar o jantar"
Se tivesse de adaptar o livro aos hábitos portugueses (jantares tardios, café forte e horários flexíveis) Van de Laar seria pragmático: "Uma coisa: antecipar a última refeição". Os jantares tardios, explica, mantêm a temperatura corporal elevada e a digestão ativa. "Se Portugal quisesse dormir melhor sem mudar a sua alma, eu diria: mantenham o café, mas antecipem-no, mantenham alguma flexibilidade, mas fixem a hora de acordar, e jantem pelo menos duas a três horas antes de se deitarem". "Isso por si só transformaria o sono no país", conclui.

