João Luís Barreto Guimarães vai lecionar Introdução à Poesia a três dezenas de estudantes de Medicina. Autor de "Movimento" diz que literatura "estimula a empatia, necessária para relação com o paciente".
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Três décadas exatas depois, João Luís Barreto Guimarães vai regressar aos bancos da sua universidade. A partir de setembro, será o regente da cadeira de Introdução à Poesia, no curso de Medicina do Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar, procurando incutir numa plateia composta por 30 estudantes a devoção pela palavra poética que o autor professa desde que se lembra de ser gente.
"A aventura", como o próprio a qualifica, desperta-lhe "emoções várias". Às recordações da sua própria experiência enquanto estudante de Medicina somam-se inúmeras ligações familiares, que incluem tanto o pai como o irmão.
A "alegria" e o "entusiasmo" sentidos quando recebeu o convite, há duas semanas, deram lugar, nos últimos dias, a uma "certa preocupação", relacionada com a "responsabilidade" que terá pela frente.
Mas esse eventual peso perde a razão de ser em função da mais-valia que a cadeira opcional traz: "Cada vez mais, os cursos de Medicina tentam alargar a base humanista, talvez porque durante muito tempo assentaram na vertente técnica. Ora, a empatia que a poesia ajuda a estimular é essencial na relação entre médico e paciente".
Com uma carga curricular de 28 horas, a cadeira irá falar da "vida e da morte", temas tão incontornáveis da Medicina como da poesia, num "tom de conversa" que quer excluir qualquer intenção "pedagógica".
Um "oásis mental"
Os poemas escritos por médicos ou sobre temas médicos estarão em maioria nos conteúdos letivos, mas o autor de "Movimento" diz não rejeitar escolhas fora do cânone, quanto mais não seja porque a própria poesia quer-se muitas vezes rebelde e indisciplinada.
"Quero, acima de tudo, que os estudantes leiam um poema e se apercebam de tudo o que está a acontecer ali: as metáforas, as sinédoques, o tom, o ritmo, o silêncio...", revela.
A avaliação no final do semestre não deverá incidir tanto na escrita de um poema como na análise do mesmo. Afinal, assevera o futuro regente, "o objetivo não é fazer deles poetas, mas sim leitores".
As aulas de poesia não são um modelo novo para Barreto Guimarães. As experiências que teve há pouco mais de dois anos na Feira do Livro do Porto e na Universidade de Viena ajudaram-no a reforçar a crença de que a poesia pode ser um género literariamente transmissível se for abordada com a paixão devida.
Se para o poeta "cada aula vai ser como apresentar um livro novo todas as semanas", para os futuros médicos "o contacto com material subjetivo pode ser um oásis mental ou, quem sabe, uma epifania".
A pandemia não me interessa como tema. Quero escrever sobre o pós
O último ano não foi o mais fértil para o poeta. Assoberbado profissionalmente, enquanto médico do Centro Hospitalar Gaia-Espinho, diz ter sentido "dificuldade em fazer a transposição da linguagem técnica para a transfiguração poética".
Mais ainda do que a falta de tempo ou a incapacidade de "desligar-se" de tudo o que o rodeava, num tempo que considera ser "fágico", Barreto Guimarães revela que "a pandemia como tema" não o interessa, preferindo esperar pela ansiada retoma. "Interessa-me sobretudo saber como vai ser a vida no momento em que a pandemia se dissipar e descobrir se vamos lançar um olhar novo, iniciático, sobre gestos antigo de que nos desabituámos de há um ano a esta parte", acrescenta, convencido que está de que o tema do confinamento se presta mais a abordagens literárias "por via do romance ou do teatro".