Jasmine Trinca é a protagonista de “Maria Montessori”, já nas salas de cinema.
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“Maria Montessori”, de Léa Todorov, relata a existência verídica da mulher que dá título ao filme. Vivendo em Roma, no início do século XX, sacrificou a sua própria vida pessoal para se dedicar ao ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem. Jasmine Trinca é a protagonista, e estivemos a conversar com a atriz em Lisboa, durante a Festa do Cinema Italiano.
Qual é a atualidade da história de Maria Montessori?
A tradução literal do título original é “A nova mulher”. É um filme histórico, que mergulha num tempo passado. Mas essa ideia de contar a nova mulher, na altura e hoje em dia, é importante para mim. Em Itália, a mulher ainda tem de lutar para alcançar um papel na sociedade. Não pertencemos à vaga de países anglo-saxões ou do norte da Europa, onde as mulheres estão por todo o lado.
O que lhe interessou mais na personagem de Maria Montessori?
É uma mulher do início do século XX, que não tinha o direito de ser professora, tinha de se esconder, não era remunerada pelo seu trabalho. Teve de renunciar a um filho fora do casamento. Foi demais o que teve de passar.
A Maria Montessori é suficientemente conhecida em Itália?
É uma figura muito conhecida em Itália, pelos seus métodos educativos. Mas eu não conhecia em detalhe a sua história pessoal, que ela teve de renunciar à maternidade para seguir um caminho na pesquisa científica.
A realizadora, Léa Todorov, fez um imenso trabalho de pesquisa. Também fez a sua própria pesquisa, para interpretar a personagem, além da leitura do guião?
Não foi necessário, porque a Léa Todorov já o tinha feito. Foi um trabalho de vários anos. Mas é verdade que trabalhei bastante com as crianças. Tivemos alguns encontros com aquelas crianças, o que foi muito importante. No geral, trabalhar com qualquer criança, é criar uma cumplicidade, ganhar uma certa intimidade com elas.
Neste caso em particular, com estas crianças, qual foi o maior desafio?
Trabalhar com crianças é sempre um desafio. Com exceção das crianças que já são atores profissionais. Não gosto muito de trabalhar com eles, porque têm um corpo de criança, mas lá dentro são já profissionais. Do que gosto numa criança é a sua energia e a sua verdade. O segredo era estar sempre à escuta do outro, das crianças, porque havia sempre um imprevisto. Elas sabiam o que tinham de fazer, mas era preciso gerir tudo o que se passava de inesperado.
Num filme como este, foi importante ser dirigida por uma mulher?
Sim, por uma mulher e em especial por uma mulher que conhecia bem a personagem. Com uma história como esta e com crianças com dificuldades, é sempre difícil guardar um lado honesto e real. Ficamos tocados por eles, mas é preciso dar um lado de vida. As trocas, na minha opinião, devem ser sempre feitas ao mesmo nível. A Léa conhecia bem a dinâmica e a personalidade das crianças, que são por vezes difíceis. Eu adorei, embora ao princípio estivesse um pouco perturbada. Mas foi um trabalho cúmplice entre as duas.
A Jasmine também começou a dedicar-se à realização. Mudou alguma coisa na sua relação com os outros realizadores com que trabalha?
Não olho muito para a técnica, nos filmes que faço. Mas aprendi muito sobre a montagem. Aprendi que não vale a pena repetir dez vezes uma cena se já está bem. Aprendi que por vezes o melhor são os acidentes que acontecem.
Neste momento há um excelente grupo de realizadoras italianas a fazer cinema. Na sua perspetiva, é um bom momento, apesar de tudo, em Itália?
É verdade que em Itália sentimos a vaga que se seguiu ao #metoo. As grandes cadeias nacionais e as plataformas internacionais que chegaram a Itália começaram a escolher cada vez mais filmes feitos por mulheres. O cinema italiano tem os seus grandes mestres, mas praticamente só homens. Só tivemos duas realizadoras que conseguiram fazer o seu percurso, a Lina Wertmuller e a Liliana Cavani. Hoje há mais, mas ainda poucas. Penso que por vezes é necessário forçar a mudança.
A Jasmine está em Portugal para a Festa do Cinema Italiano, mas será que a situação política e social em Itália é festiva?
De forma alguma. E o cinema está um pouco parado. O governo está a ser muito duro com o cinema, com o fim dos incentivos fiscais. O governo pensa que os realizadores de cinema são um bando de esquerdistas. A indústria de cinema move imensa gente, não são apenas atores e realizadores, e o momento atual é muito perigoso para todos. O cinema é a imagem de um país para o mundo. Como a música e todas as artes.
Os seus dois primeiros filmes foram “O Quarto do Filho”, de Nanni Moretti, e “A Melhor Juventude”, de Marco Tullio Giordana. Sente que viveu de perto um certo renascimento do cinema italiano?
Tive imensa sorte. Eu não pensava ser atriz. Mas o Nanni Moretti descobriu-me no liceu. Depois parei durante dois anos, porque queria ser arqueóloga. E depois fiz o filme do Giordana. Foram duas etapas importantes, que fiz sem saber a sua importância. Depois, como estava convencida que não ia ser necessário estar sempre a fazer filmes, tentei estar sempre em bons projetos. E comecei a fazer filmes também em França. Mas foi sempre uma questão de sorte.
Que relação tem com Portugal e o cinema português?
Já tinha estado em Lisboa várias vezes. Pelo prazer de visitar a cidade e também porque uma parte da minha família morava aqui. E tenho algumas amigas que vieram estudar para Lisboa. Eu vivo em Roma, uma cidade onde há o prazer de viver, Mas aqui ainda se sente mais. Lisboa é uma cidade agradável para se viver. Depois, é verdade que as pessoas de Lisboa devem ter os seus problemas com esta situação.