Jean-Jacques Annaud: "Quem quiser super-heróis, que vá ver os filmes da Marvel"
Cineasta francês reconstitui em "Notre-Dame em chamas" o incêndio na catedral parisiense.
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15 de abril de 2019. Os parisienses, e o Mundo em geral, assistiram, em direto ou pela televisão, ao choque do brutal incêndio que destruiu uma parte de um dos monumentos mais icónicos da capital francesa. Três anos depois, "Notre-Dame em chamas" reconstitui os acontecimentos desse fim de tarde trágico. Jean-Jacques Annaud, realizador de "A guerra do fogo", "O nome da rosa" ou "Sete anos no Tibete", esteve em Lisboa e falou ao JN.
Onde é que estava, naquele dia e àquela hora?
Estava numa casa onde não havia televisão. Imaginei o drama, porque conheço Notre-Dame desde a minha infância. Mas não imaginava a violência das chamas. Pensei, como os bombeiros, que a catedral se ia desmoronar.
O que representa para si aquele local?
Foi lá que fiz as minhas primeiras fotos, em criança. E moro muito perto. Paris é uma das mais belas cidades do Mundo. E aquele local é o mais encantador de Paris. As ruelas medievais à volta dão-lhe um charme extraordinário.
O projeto de fazer o filme partiu de si?
O Jérôme Seydoux, presidente da Pathé, pensou que talvez estivesse interessado em fazer um documentário. Passou-me a documentação e vi logo que havia matéria para um grande filme de cinema. Quando estudei cinema, adorava Kurosawa, Eisenstein ou David Lean. Era esse o cinema que queria fazer.
Um cinema que se vê cada vez menos...
Era o filme ideal para lembrar às pessoas o que é a experiência do cinema no grande ecrã. Um cinema imersivo, onde há tensão dramática. Mas um drama que acaba bem, sobre pessoas que arriscaram a vida para salvar um monumento simbólico. As pessoas habituaram-se a ver cinema em casa. Mas ir ao cinema continua a ser uma boa razão para sair de casa.
Ao contrário de muitos filmes-catástrofe, resistiu à tentação de colocar atores muito conhecidos em pequenos papéis.
Tive a sorte de fazer filmes ambiciosos com desconhecidos. Aqui, isso nem se discutiu. Os bombeiros são pessoas humildes que arriscam a vida para salvar outras vidas. Quem quiser super-heróis, que vá ver os filmes da Marvel. Aqui é uma história verdadeira, mesmo nos detalhes mais inverosímeis.
O filme é também uma crítica à burocracia francesa?
O arquiteto chinês da pirâmide do Louvre disse que eles tinham inventado a burocracia, mas que os franceses a aprimoraram. Os bombeiros de Paris dependem do Ministério da Defesa. Mas o orçamento é votado pela Câmara. E dependem do presidente da Câmara, que depende do Ministério do Interior. O adro da igreja é do município, mas a partir do terceiro degrau é da catedral, logo do Estado, do Ministério da Cultura. Nada funciona.
Há imagens que vemos no filme que são reais, daquele dia?
Fiz um apelo nas redes sociais e recebemos seis mil vídeos logo na primeira semana. Com muitas imagens que ninguém tinha visto, de pessoas que vivem perto e filmaram das varandas. Permitiram sobretudo estar seguro da cronologia dos acontecimentos. Fiquei com um grande saco de ideias para escrever o argumento.
O filme já estreou em França. Como é que está a ser recebido, sobretudo pelos parisienses?
Nunca tive uma reação tão positiva. As pessoas não estavam à espera de se sentir tão comovidas. Recebi centenas de cartas de agradecimento. É muito gratificante.