Atriz é a única profissional no elenco de "Ouistreham - entre dois mundos", filme de Emmanuel Carrère, já nas salas.
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Juliette Binoche interpreta uma mulher que chega a uma cidade costeira de França para trabalhar nas limpezas de um ferry noturno que faz a ligação com Inglaterra. O filme, "Ouistreham - Entre dois mundos", baseia-se no best-seller da jornalista Florence Aubenas, tem assinatura de Emmanuel Carrère e já está nas salas.
O projeto já tem alguns anos. Como é que conseguiu manter a paixão por o concretizar?
Tudo começou com um realizador a telefonar-me, para saber se estava interessada em fazer o filme. Depois li o livro e fiquei apanhada por esta história. Uma semana depois voltou a telefonar-me, porque afinal a autora não queria vender os direitos.
Como é que se resolveu o problema?
Telefonei à Florence [Aubenas], que me disse que a única maneira dela aceitar era se o Emmanuel Carrère estivesse implicado. Falei com ele, mas tive de esperar alguns anos porque estava a escrever um livro. Mas a Florence continuava a resistir que o filme se fizesse. Finalmente encontrámo-nos num hotel em Cannes, ela desculpou-se e as coisas avançaram. Foi uma batalha de dez anos.
Houve uma altura em que quis produzir o filme.
O Emmanuele já tinha escrito o guião mas disse-me que não queria que eu produzisse o filme. Fiquei chocada e magoou-me bastante. Disse-lhe que era humilhante, mas aceitei. Aquelas mulheres são humilhadas sem cessar, talvez fosse a melhor maneira de eu entrar no espírito do filme.
Depois desse episódio, como é que se processou a sua relação com o realizador?
Fiquei um pouco na desconfiança. Mas ele confessou-me que não percebia muito de interpretação, por isso seria eu a ocupar-me das atrizes. Foi algo que levei muito a sério e nesse domínio ele foi muito humilde. Houve alguns momentos de tensão, uma atriz ameaçou ir-se embora, mas eu estava sempre lá e consegui manter a chama do filme até ao fim.
Imagino que aquelas mulheres, que não são atrizes, estivessem um pouco nervosas de ir trabalhar com alguém que todas conhecem. Como é que conseguiu quebrar essa barreira?
Trabalhando com elas. Ouvindo-as. Falando diretamente. Estando sempre presente. Falando de mim da mesma forma como elas falavam delas. Penso que a minha vulnerabilidade naquele momento fez com que elas vissem a minha humanidade. Quando vemos alguém que está doente temos um pouco mais de compaixão.
Tinha chegado apenas na véspera de rodagem.
Quando cheguei a Caen estava muito cansada, com gripe, não conseguia dormir com a tosse e tinha acabado de perder o meu pai. Estava num estado de grande vulnerabilidade.
Como é que se ambientou àquela realidade?
O importante no filme é que aquelas mulheres falam do que conhecem, da sua realidade. As verdadeiras profissionais são elas. São elas que conhecem aquela vida, que sabem como limpar, que conhecem o ritmo do trabalho. Eu era a atriz profissional, mas não profissional daquele trabalho. Aprendi muito com elas. Eu era a colega que não sabia fazer bem as coisas. Boa colega, mas desajeitada.
No filme, vemos como funciona o sistema laboral em França. Acha que falta ao cinema francês em geral essa ligação ao real?
Mesmo se mostramos o real, é sempre uma representação. Ser verdadeiro é uma questão de estilo. É por isso que o ator é tão importante. Se o ator é verdadeiro no que faz, faz acreditar nessa realidade. Não posso fazer uma análise do cinema francês atual, não vejo todos os filmes. O que sei é que este filme aborda uma questão que para mim é importante.
Podemos dizer que tem cada vez mais vontade de mostrar no ecrã pessoas que vemos mais raramente, que está mais empenhada num cinema social?
Sempre estive empenhada num cinema social. "Os amantes da Ponte Nova" era social, era sobre pessoas que viviam na rua. "Camille Claudel" também. Se o quisermos, todos os filmes são sociais.
Já trabalhou com Kiarostami, Koreeda, Cronenberg. Há outros realizadores fora do cinema francês com quem tenha vontade de filmar?
Gostava de trabalhar um dia com Paul Thomas Anderson. E com Alexander Sukorov. Aliás, já tive oportunidade de lhe dizer que gostava de fazer um filme com ele. Ele só disse, "sim, sim, sim!". Acho os filmes dele extraordinários.