A 12 de julho de 1902, a publicação do folhetim "Rouxinol das saudades" foi anunciada pelo "Jornal de Notícias" como "mais uma afirmação triunfante do talento" de Júlio Dantas.
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O tempo fez cair no esquecimento a obra de Júlio Dantas - hoje mais lembrado pelo demolidor "Manifesto Anti-Dantas", escrito por Almada Negreiros, em 1915 -, mas no início do século XX a simples menção do seu nome trazia, por arrasto, encómios sem fim.
Médico, militar e posteriormente político, o autor de "A severa" começou por publicar ainda no final do século XIX, mas foi no dealbar da década seguinte, quando estava ainda a meio dos vintes, que se consolidou como um dos autores mais proeminentes de uma literatura portuguesa ainda orfã das recentes mortes de Eça de Queirós ou Camilo Castelo Branco.
Não admira, por isso, que a 12 de julho de 1902 o "Jornal de Notícias" tenha anunciado, com grandes parangonas, o início da colaboração de Dantas, sob a forma de um folhetim, "Rouxinol das saudades", cuja publicação se iniciou no dia seguinte.
"Júlio Dantas é um triunfador, porque é um talento aliado a uma vontade. Novo ainda, a sua obra já é vasta e a cada nova produção se consolidam as boas qualidades fundamentais do escritor, afirmando-se novos progressos", podia ler-se, com incontido entusiasmo, na peça alusiva ao prolífico escritor.
O arrebatamento do matutino era mais do que justificado. No início desse ano, Júlio Dantas publicara aquele que seria o seu mais retumbante êxito literário, "A ceia dos cardeais", um dos raros textos de sua autoria que foi sobrevivendo ao passar dos anos, tendo mesmo sido traduzido para 20 idiomas.
"Obra prima de graça e delicadeza", a peça teatral cimentou o prestígio, recordava o jornal, junto de "frequentadoras do teatro mais exigente, o público do Dona Amélia e do São João, no Porto" e não somente de "plateias pouco educadas".
O ano de 1902 foi particularmente profícuo para Dantas. Além do folhetim no JN e de "A ceia dos cardeais" publicou ainda mais três peças, "Crucificados", "Dona Mécia" e "D. Beltrão de Figueirôa".
Uma pequena parte, ainda assim, da mais de meia centena de obras que escreveu até ao início da década de 1950, entre peças, poemas e romances. De permeio, ainda traduziu obras clássicas de William Shakespeare, de Edmond Rostand e Paul Saunière.
Para aguçar a curiosidade dos leitores, o "Jornal de Notícias" apresentava "Rouxinol das saudades" como "mais uma afirmação triunfante do valor do seu talento", conjugando de forma exemplar "o interesse do enredo com a beleza da forma". v sérgio almeida