Kraftwerk e Chemical Brohthers foram duas faces de uma mesma boa moeda, mas foram estes últimos que deram o concerto do dia. James Blake, Rodrigo Leão e os eufóricos da cumbia-eletrónica Bomba Estéreo estiveram em destaque no arranque do novo festival que decorre em Lisboa.
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"Estamos de volta!" As palavras de alívio e alegria foram de James Blake, mas o sentimento era de todos aqueles que esta quinta-feira, ao final da tarde, foram até ao arranque do MEO Kalorama. Os sorrisos na plateia não deixavam margem para dúvidas. Depois de dois anos atípicos, de isolamentos e de confinamento, o regresso à normalidade de um festival de verão sabe muito bem. E James Blake foi o porta-voz perfeito desse sentimento.
A junção da voz melódica e delicada do britânico a uma camada de batidas e baixos ásperos e distorcidos é como que uma metáfora das alegrias e tristezas do quotidiano; opostos que não se excluem, mas, sim, se complementam para um resultado final inesperadamente equilibrado e agradável. Uma soma maior e melhor do que as partes.
O concerto do britânico foi o sinal desse regresso à normalidade, com o público a aderir e até a cantar os seus principais êxitos. E ainda houve espaço para uma das músicas novas. "Vamos tentar tocar um pouco de tudo", prometeu. E cumpriu.
Euforia Bomba Estéreo
Após o contentamento introspetivo de James Blake, seguiu-se a euforia desmedida dos Bomba Estéreo. Liderados por uma ave rara e exótica de penugem cor de rosa e tranças amarelas, azuis e rosas, os colombianos trouxeram os ritmos quentes e latinos de uma "cumbia" eletrónica até ao Parque da Bela Vista. O povo gostou e dançou.
Quem não dançou foi porque talvez estivesse preso numa das muitas filas que se geraram à medida que o dia foi caindo e o recinto se foi enchendo de milhares de pessoas com muita sede e fome. Havia que comer rápido pois dali a pouco chegariam os Kraftwerk e depois ainda haveria Chemical Brothers.
Um "Bieber de Sade"
Ainda antes dos dois pesos pesados da música eletrónica, surgiu Years & Years, projeto, agora unipessoal, de Olly Alexander. O que ao início dava sinais de ser um concerto pop juvenil e até com alguns laivos de boy band, rapidamente descambou, no bom sentido, para um espetáculo quasi-sadomaso. Olly, peça restante do que chegou o ser um trio, surgiu como que um "Bieber de Sade", a montar um bailarino de capacete e couro negro, calçado de patins. Afinal não era juvenil, bem pelo contrário: era pop não aconselhado aos mais sensíveis. O britânico mostrou que tem voz e talento e deu um bom espetáculo musical e visual que deixa antever muitas coisas boas no seu caminho.
Os muito aguardados Kratwerk conseguiram colocar milhares de pessoas a olhar para o palco Colina com óculos de papel 3D. Faziam algo? Há quem diga que sim. Estes dois olhos inclinam-se mais para o não. Com ou sem visualizações a três dimensões, tiveram o mérito de dar um visual retrofuturista à plateia.
Interferência sonora parou 2ManyDJs e Tiga
Quanto à música, o som dos alemães estava inicialmente algo baixo e ouvia-se bem melhor os sons dos 2ManyDjs e Tiga vindos do palco principal. Tanto que, em menos de 20 minutos, a organização foi forçada a terminar a prestação dos belgas e do canadiano por causa da interferência sonora. Coincidência ou não, a verdade é que o som dos Kraftwerk melhorou. Também foi nessa altura que tocaram "Autobanh" e "Computer Love", duas das músicas mais conhecidas e animadas que ajudaram a quebrar um pouco a rotina em que o concerto se estava a tornar.
Não é fácil quando as quatro pessoas em cima do palco estão presas a um teclado. Meio máquinas, meio homens, quatro humanóides que apenas comunicam através de sons eletrónicos. Os alemães foram pioneiros musicais e ainda hoje se nota que o génio está lá, mas, num festival desta dimensão, mesmo o genial pode não chegar. "Valeu pelos óculos!", disse o Artur. E o Artur tem razão, mesmo que talvez nem façam nada.
Melhor que ter génio, é ter química... E "big beats"
A seguir, os Chemichal Brothers mostraram que melhor que ter génio, é ter química... E "big beats". O duo inglês arrancou estrondosamente com "Block Rocking Beats" e até carregar o botão de autodestruição com "Galvanize" passou-se uma hora e meia. Nos entretantos, apenas uma paragem, de um par de minutos. E que foi rapidamente compensada com a entrada brutal em tons laranja apocalíptico de "Escape Velocity" e o soltar de umas dezenas de gigantes bolas de plástico que saltitaram pelos braços do público também ele aos saltos extasiado.
Nota-se que os Chemichal Brothers são herdeiros lógicos dos Karftwerk, mas são mais diretos ao assunto. Num festival a céu aberto terão sempre mais sucessos as "big beats" e os crescendos orgásmicos e estridentes dos primeiros do que a eletrónica matemática e cerebral dos segundos. Foram duas faces de uma mesma boa moeda, mas com abordagens e resultados diferentes.
Ao início da tarde, o coletivo Chelas é o Sítio, dirigido por Sam The Kid, dera hip-hop de boas-vindas àqueles que chegaram cedo, maioritariamente estrangeiros - e eram muitos, mesmo muitos -, para aproveitar um belo fim de tarde setembro. A "cantar no quintal de casa", G Fema lançou rimas afiadas em batidas bem pesadas de cima da colina.
Seguiu-se Rodrigo Leão que estreou o palco principal do Kalorama, uma estrutura enriquecida com uma intervenção cultural de grande escala de AKACorleone, intitulada Temple of Light. Acompanhado de bateria e baixo, cordas e metais, os temas suaves e oníricos do ex-Sétima Legião e ex-Madredeus foram atraindo o público para o sopé da colina.
Mais aconchegados, mais confortáveis
O parque da Bela Vista, também usado pelo Rock in Rio, foi redimensionado à medida do Kalorama: o recinto ficou mais pequeno, mas também mais aconchegante e confortável. Nesta versão do parque há um maior foco na música que vem dos palcos e menos nas brilhantes luzes das barracas de marketing. A vista e os ouvidos agradecem.
O Kalorama espera 100 mil pessoas ao longo dos três dias. Uma noite do Rock In Rio com lotação esgotada são 80 mil. Felizmente, os números não são tudo. Rodrigo Leão começou a tocar para algumas pessoas e acabou com uma imensidão delas à sua frente e um coro nas suas costas. Um início clássico e com classe.
Ainda mal Rodrigo Leão tinha saído do palco MEO e, já lá do alto da colina, Xinobi fazia troar bem alto os graves das colunas. De frente para o sol e com o fumo a sair por baixo da mesa, Bruno Cardoso, um dos mentores dos excelentes Discotexas partiu para uma bela prestação ao vivo que passou pelas sonoridades mais deep do house e do disco que conseguiram tirar as pessoas do chão. À mesma hora, Fred passeava por terrenos mais jazzísticos no Palco Futura. Com três palcos e apenas duas pernas e dois ouvidos não dá para ir e ouvi-los todos.
Interferência sonora parou 2ManyDJs e Tiga
Quanto à música, o som dos alemães estava inicialmente algo baixo e ouvia-se bem melhor os sons dos 2ManyDjs e Tiga vindos do palco principal. Tanto que, em menos de 20 minutos, a organização foi forçada a terminar a prestação dos belgas e do canadiano por causa da interferência sonora. Coincidência ou não, a verdade é que o som dos Kraftwerk melhorou. Também foi nessa altura que tocaram "Autobanh" e "Computer Love", duas das músicas mais conhecidas e animadas que ajudaram a quebrar um pouco a rotina em que o concerto se estava a tornar.