A juventude compareceu em peso ao segundo dia do MEO Kalorama para ver Artic Monkeys. Esgotaram os bilhetes diários e também os passes de três dias. Mais de 40 mil pessoas no recinto tiveram o que queriam - um grande concerto dos ingleses - e o que não queriam - filas para tudo e mais alguma coisa.
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O bombo e a tarola de "Do I Wanna Know" soaram exatamente às 23 horas e levaram ao delírio as 40 mil pessoas que estavam no parque da Bela Vista. Uma hora e 20 minutos e 21 temas depois, Alex Turner perguntava "R U Mine?". A resposta era simples: Somos. Somos teus hoje, amanhã e depois; pelo menos enquanto continuarem a tocar assim.
No concerto mais aguardado da noite e que esgotou a lotação do MEO Kalorama, os Arctic Monkeys fizeram o alinhamento espectável, com muitas músicas antigas, conhecidas e já testadas. Apenas tocaram uma do novo disco, "Car", com saída agendada para 21 outubro. A fórmula não tinha como falhar e não falhou. Alturas houve em que havia tantos telemóveis no ar que quase parecia dia. E não é agradável, diga-se.
Do sopé ao cimo da colina, da esquerda à direita do vale, os Arctic Monkeys conseguiram cativar os 40 mil presentes ao ponto de por, quase todos a cantar e a fazer as vozes de suporte. Diga-se que é fácil cantar Arctic Monkeys porque Alex Turner tem o raro dom de encaixar na perfeição a métrica e oscilação das letras na secção rítmica das músicas. Quando assim é, tudo soa natural e até letras complicadas como a de "505" conseguem ser decoradas e cantadas sem problemas. E é a voz de Turner, que na maioria das músicas, se assume como o instrumento principal das músicas que dá deixa a todos os outros.
Ao longo dos 21 temas do concerto, foi possível notar a evolução da banda ao longo dos anos. Do rock cru e puro de "The view from the afternoon" ou "I bet you look on the dancefloor" até à mais recente e melódica "Tranquility Base Hotel+Casino", passando pelas ritmadas crónicas quotidianas de "AM" como "Snap Out Of It", "Arabella" ou "Why do you only call me when you"re high". Uma paleta perfeita para pintar um bom concerto.
Notou-se também que Alex Turner está cada vez mais "crooner" a tentar poses de galã, apesar de ainda parecer um teenager desajeitado de cada vez que lhe tiram a guitarra das mãos. Essa aparente falta de jeito é um dos encantos da banda. Não têm roupas espampanantes, nem hologramas ofuscantes. Em cima do palco estão meia dúzia de tipos normais mas que, por acaso, até sabem tocar. Tocar bem. Muito bem. Tão bem que conseguem fazer tudo parecer tão simples. Mas se fosse assim tão simples não teriam tido uma imensa multidão aos seus pés. É a sua música que é boa música. Rock para todos os gostos e todas as gerações que faz mexer, dançar e pular. No fim, é isso que realmente interessa. O resto, como as roupas, as luzes e os foguetes, é acessório e, como se viu, dispensável.
Rock, Amor e Classe
A meio da tarde, menos de uma hora depois de as portas abrirem, já várias centenas de jovens corpos se amontoavam junto às grades do palco para marcar lugar para Arctic Monkeys. Antes do concerto final, ainda sentiram de perto, bem de perto, o amor e o Rock&Roll do The Legendary Tigerman. Pelo meio, destacaram-se o indie-ska dos The Lathum e, no palco Futura, a angústia feminina e rebelde dos jovens Crawlers. No palco Colina, a voz envolvente de Róisín Murphy continua a encantar e mostrou estar num momento de grande forma.
A ex-Moloko transferiu-se do trip-hop para terrenos mais jazzísticos de um eletro art pop. Fisicamente, a irlandesa está numa forma invejável. Tomou conta da frente do palco com classe e altivez e um jogo de pernas impressionantes. A voz está igual ou até melhor ao que estava. Aquele timbre quente e envolvente, com o sensual arrastar das vogais. Um concerto que ficará entre os melhores do festival.
Antes, Paulo Furtado, o Legendary Tigerman, acabou o concerto aos pinchos no meio do público a gritar Rock&Roll. Não havia necessidade de anunciar que ali estava um rockeiro. O "homem-tigre" é da velha guarda, daqueles que correm o palco de ponta a ponta e aterram de joelhos depois de saltar de cima do bombo da bateria. O rock que toca também é "old school", daquele que nasceu do blues que se duela com saxofone barítono ao ritmo de muito pedal, tarola e prato de choque. Não vai mudar o mundo, mas tem o mérito de entreter, promover "o amor" e de pôr as pessoas, no mínimo, a bater o pé.
Os jovens Crawlers levantaram pés e muito pó no palco Futura. Ainda não lançaram um disco, mas já conseguiram conquistar uma grande legião de jovens fãs, várias delas tão novas que ainda vinham pela mão das mães. Pelo que se viu, tanto umas como outras apreciaram os sons pesados e cheios de angústia adolescente da banda encabeçada por Holly Minto.
Arranque tranquilo até às filas intermináveis
O segundo dia do festival começara tranquilo graças ao indie-ska dos britânicos The Lathums. Foi a sua estreia em solo português, mas não parecia. Trouxeram uma legião de "lads" de pele branca e vermelha escaldada que parecia que estavam em casa, em Wigan. Os "lads" conviveram bem com as centenas de jovens que, mal abriram as portas, correram a ocupar as grades. Os primeiros a marcar lugar, ainda tinham pela frente sete horas de espera, mais de metade delas ao sol, mas ninguém se parecia importar muito. A malta é nova, espera e resiste.
Durante a tarde era visível que muitos dos presentes não tinham as pulseiras do festival no pulso. Muitos tinham vindo só este dia, só para Artic Monkeys. À medida que as horas iam passando via-se cada vez menos relva e cada vez mais pessoas. Não foi por isso grande novidade, o anúncio de que tinham esgotado as entradas do dia e até os passes de três dias.
Esperar e resistir foram duas das palavras do dia. Esperar nas filas e resistir para não desistir. Se no dia anterior já tinha havido alguns constrangimentos, com a enchente de ontem tudo se agravou. Mais e mais filas e cada vez maiores e maiores. Filas para comer (bem mais de 30 minutos para comprar uma fatia de pizza! ), filas para beber e filas para as casas de banho. Estas últimas eram tão grandes que muitos desistiram e usaram uma rede como urinol. Estes não aprenderam as palavras do dia.