Apesar dos dias difíceis que atravessa o setor, com falências em série, há livreiros que procuram marcar a diferença com a aposta na dinamização, proximidade e qualidade do serviço.
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Pedro Carvalho, gerente da Livraria Velhotes, em Vila Nova de Gaia, é um homem satisfeito. "Vamos fechar 2017 com uma subida do volume de negócios na ordem dos 20%", revela.
Francisco Vaz da Silva, da livraria Gigões e Anantes, em Aveiro, garante, por sua vez, que a sua livraria especializada em livros ilustrados tem clientes fixos do Porto, Braga, Lisboa e até Espanha ou França. "Há muita gente que valoriza a qualidade do serviço e da nossa oferta", observa.
Proprietário da Livraria Felgueirense, em Felgueiras, José Vieira encontrou uma solução para contornar a queda abrupta do livro escolar, que chegou a representar 90% do seu negócio: "Passámos a alargar a nossa oferta, incluindo material de escritório diverso ou serviços de encomendas".
Os três livreiros não vivem noutro planeta, embora à primeira vista possa parecer, tão flagrantes são as diferenças entre o seu discurso e a realidade sombria da generalidade das livrarias clássicas nos dias que correm.
As dificuldades que o setor atravessa são tais que o Ministério da Cultura criou mesmo um grupo de trabalho para sugerir medidas que visem proteger as livrarias independentes.
Formado por livreiros, editores, representantes de associações e da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, o grupo propôs uma série de recomendações cuja aplicação está agora nas mãos do Ministério da Cultura.
Fonte ministerial confirmou ao JN que "as conclusões mereceram concordância na nossa área específica de atuação". De entre estas, destaca-se a atribuição de "selos de mérito cultural" e de "selos de qualidade" às livrarias independentes que se candidatarem.
"Números preocupantes"
Preocupada com a situação diz estar também a Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros (APEL), que promete revelar em breve as falências registadas este ano. "São números preocupantes", confirma Ana Neves, diretora da APEL, cuja base de associados é constituída em 90% por editores.
Das 1200 livrarias existentes no território, a esmagadora maioria funciona com uma base familiar, acumulando a atividade com o serviço de papelaria.
As mudanças no livro escolar precipitaram as dificuldades recentes. A oferta dos manuais do 1.º Ciclo - medida que será alargada ao 2º no próximo ano - e a compra por "atacado" estão a empurrar para a falência inúmeras microempresas do setor que, em desespero, assinaram um manifesto em que apelam a medidas urgentes.
União, precisa-se
Antero Braga, histórico livreiro que dirigiu a Lello durante duas décadas, diz "temer pelo futuro" das pequenas livrarias, responsabilizando a concentração editorial pelo sucedido. "Quando as grandes livrarias conseguem descontos vedados aos mais pequenos, na ordem dos 30% e 40%, todo o mercado está inquinado", garante. A solução, sugere, terá de passar pela união dos livreiros de reduzida dimensão, que poderiam "conseguir preços mais vantajosos se negociassem em conjunto", como chegou a propor nos idos da década de 90.
Enquanto a cooperação não avança, as livrarias procuram sobreviver através da diferenciação da oferta.
Na Gigões e Anantes, a dinamização passa por iniciativas tão diversas como apresentações de livros, comunidades de leitores, exposições, convites a autores e ilustradores. "É um trabalho de militância que nos leva a acolher ou organizar iniciativas que por vezes nem nos trazem proveito económico direto, mas criam o hábito de frequência da livraria", diz Vaz da Silva.
Para Pedro Carvalho, da Velhotes, o esforço resume-se a uma só palavra: adaptação. "Como as vendas em loja estão cada vez mais baixas, temos de procurar parceiros fora delas, sejam escolas ou bibliotecas", concretiza.
A "aposta na proximidade" é mesmo o cartão de visita da livraria gaiense. Além de fornecer manuais e guias para nove agrupamentos escolares da região, a Velhotes marca presença em feiras do livro, organiza tertúlias e acompanha a visita de autores a escolas. "É um trabalho contínuo, com que procuramos devolver à comunidade o valor que nos presta".
Recorde à vista na Lello
As dificuldades do setor livreiro passam ao lado da Livraria Lello, que vai fechar 2017 com um número recorde de visitas: um milhão e 260 mil. Destes, os portugueses representam apenas 18%, atrás dos espanhóis, franceses e ingleses. O modelo das entradas pagas - a entrada custa quatro euros, valor descontado na compra de um livro - foi decisivo para o êxito. "É um modelo questionável, mas eficaz. Sem ele, já teríamos fechado", garante Manuel de Sousa, do gabinete de Comunicação da livraria. A 13 de janeiro, quando a livraria celebrar os 112 anos, vão ser inaugurados três espaços: uma cave, dedicada a exposições, e duas salas.