Editor da "Saída de Emergência" afirma-se como autor especializado no género do fantástico.
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Os livros têm sido uma presença permanente na vida de Luís Corte Real. Como leitor e editor, mas agora também como autor. Depois de “O deus das moscas tem fome”, “Assim falou a serpente” e “Lisboa noir”, livros firmemente ancorados no reduto do fantástico, o fundador da Saída de Emergência estreia-se no género da fantasia, com “Reinos bastardos”.
Estreou-se em 2020 e desde então já escreveu mais três livros. A escrita tornou-se num vício?
Custou a arrancar, mas é verdade. Só comecei a escrever aos 45 anos porque foi nessa altura que encontrei a fórmula. Até então escrevia bocadinhos e desistia, sem saber que é preciso ir passo a passo. Tive que me obrigar a escrever 200 palavras por dia, mesmo quando não tinha vontade, e ao fim de algum tempo já escrevia por gosto. Hoje é raro o dia em que não escrevo.
Embora os quatro livros tenham características distintas, o público a que se destina é próximo?
São todos de literatura fantástica, é certo. E a prova é que tenho leitores que gostam de todos. Mais do que os géneros, o que os distingue é o estilo de escrita. Nos livros do Benjamim Tormenta tento escrever à século XIX, com descrições densas, já o novo, “Reinos bastardos”, é o oposto, com parágrafos curtos e muitos diálogos.
Nenhum género lhe é estranho?
Obrigo-me a ler tudo e sinto que isso é benéfico para a minha escrita, mesmo géneros que não me dizem muito, como a literatura erótica. Inspiro-me muito no exemplo dos livros de George R. R. Martin, que me orgulho de publicar. Para mim, é o melhor escritor de fantasia de sempre. Além de escrever muito bem, desenvolve personagens com uma densidade que deixa o leitor aos tropeções. Odiamos um tipo que, passadas umas páginas, já nos provoca empatia. Gosto destas personagens cinzentas.
O género fantástico tem traços muito vincados, como é sabido. De que forma procurou incutir a sua marca?
O meu objetivo em “Reinos bastardos” era escrever o melhor livro de fantasia em Portugal. Já há bons livros, mas quis escrever um que se destacasse, alicerçado nos meus 40 anos de leitura deste género. É um livro muito violento, mas também cheio de esperança e atitude. Muito humano e real, em suma. O género fantástico tinha condições únicas para ser muito livre e criativo, mas a esmagadora maioria são pastiches e derivações. É quase tudo igual. Desde que o Tolkien escreveu a sua trilogia, todos tentam fazer o mesmo, copiando algo que já foi mastigado, como os elfos, os anões, os feiticeiros... Quis fugir disso tudo.
A literatura de fantasia tem crescido muito. Ainda é um nicho?
O crescimento acontece sempre que há modas. Quando não há, as vendas caem a pique. Mesmo George Martin só vende com “A guerra dos tronos”. Os outros nada vendem.
Ser também editor é uma vantagem para procurar saber o que o leitor procura num livro?
Qualquer pessoa que olhe para os tops sabe o que se vende. O que dá são thrillers psicológicos ou romances eróticos. Mesmo que quisesse escrever um livro desses, não conseguiria. São histórias que não me interessam, sem qualquer conteúdo. Mudam os nomes e as profissões, mas é tudo igual.
Poucos autores portugueses se têm notabilizado no campo da literatura fantástica. Como explica essa escassez?
Por falta de leitores, sobretudo. Para escrevermos um bom thriller psicológico temos primeiro que ler centenas de romances desse género. Ora, Portugal é um país em que não se lê. Só por aí é difícil ter bons escritores. Temos alguns bons autores mas isso não quer dizer que vendam bem. Olho para o top e os que mais vendem são, salvo honrosas exceções, péssimos escritores. Acertaram foi na fórmula de um género do qual toda a gente está à procura. Depois temos leitores que escrevem maravilhosamente bem, mas...
Não têm leitores.
Nenhuns. Podem ter boas capas, mas ninguém lhes pega. Em Portugal, valoriza-se muito a escrita convencional, realista. São os autores que ganham os prémios e vão aos festivais literários todos. Escrevem todos a mesma coisa, gostam muito do Saramago e adoram tentar macaquear a sua escrita. O Saramago não punha vírgulas, então põem travessões. São brincadeiras visuais. Acham que é um estilo, mas não é nada. Às vezes nem escrevem bem. v