Marilyn Manson: "Tirar a vida a alguém é uma experiência de crescimento, é como perder a virgindade"
Cantor, agora acusado de violação, fez revelações chocantes na sua biografia de 1999 "The long hard road out of hell". O livro detalha mesmo planos para matar uma namorada chamada Nancy.
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Nunca saberemos até que ponto a biografia de um artista - e um artista é sempre um "poseur", isto é, alguém inculcado na exibição da mitomania, ou seja, que vive da tendência impulsiva para a mentira - é facto ou fabricação que ajuda a carreira. Mas em Marilyn Manson, cantor norte-americano de "shock rock" que esta semana caiu socialmente em desgraça ao ser acusado de violação e mau-trato pela atriz, e antiga namorada, Evan Rachel Wood, esse impulso parece viver da constância do abalroamento e da necessidade vitalícia de provocar choques.
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Cada vez mais acossado - outras quatro mulheres já se juntaram entretanto a Rachel Wood com acusações de agravo semelhantes - Marilyn Manson, que refutou as acusações como "distorções da realidade", parece agora dirigir-se para o campo oposto da bravata. Noticiou esta quinta-feira o site de celebridades TMZ que, na noite passada, a polícia foi à sua casa nas Beverly Hills, luxuoso condado de Los Angeles onde serpenteiam casas de artistas e milionários, para "saber se Marylin estava bem".
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A polícia respondia a um pedido de "verificação de bem-estar" feita por um amigo que dizia não o "conseguir contactar há várias horas", e mandou três carros e um helicóptero. Mas o rocker de 52 anos, que desde segunda-feira, dia das revelações de Rachel Wood, não é visto em público, estava em casa, mas não abriu a porta. Soube-se mais tarde, através de um representante, que o artista "estava bem" e que "não queria ver ninguém", sobretudo, crê-se, a polícia...
Uma leitura "reveladora", "sumarenta" e "doentia"
Com vários focos fortíssimos agora apontados à sua vida pessoal, ganha redobrada importância ética aquilo que disse sobre o seu comportamento com as mulheres na biografia "The long hard road out of hell", que publicou em 1999, quando tinha 30 anos - o título é o mesmo de uma canção sua, lançada em 1997, em que canta, a salivar delírios, "Eu vivo como um cristo adolescente, eu sou um santo, eu tenho um encontro com o suicídio".
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O jornal inglês "New Musical Express" classificou o livro como "uma das biografias mais sumarentas da história das estrelas do rock", elogiando-a por ser "tão reveladora". E o site de cultura pop da ESPN, Grantland, diz que "o livro pega em todos os tropos das denúncias do rock, desde o uso excessivo de drogas à libertinagem grosseira das groupies, até às guerras de egos no estúdio, e eleva-os a extremos bizarros, doentios e compulsivamente legíveis".
Em menos de 200 páginas, a biografia de Manson, cujo nome civil é Brian Hugh Warner, contém várias revelações estonteantes, como a admissão de ter ameaçado que ia violar uma mulher que rejeitava os seus avanços sentimentais, até à confissão de que em 1990, tinha então 21 anos, esteve a poucos minutos de matar uma ex-namorada, ou só ex-amante, chamada Nancy, para a qual traçara um plano de "assassinato perfeito".
Escreveu então Marilyn Manson: "Esta foi a primeira vez que considerei seriamente um assassinato. Ela tinha que morrer. Embora eu não achasse correto tirar uma vida humana, também não achei que era acertado negar a mim mesmo a possibilidade de causar a morte de alguém, especialmente alguém cuja existência significava tão pouco para o mundo e para ela mesma", escreveu no livro.
A rapariga de quem ele fala na canção "She's not my girlfriend"
Nancy, cujo nome real é Stephanie Ford, era uma rapariga que se apaixonou perdidamente por Manson em 1990, quando ele namorava com Carrie Dunn. Manson descreveu Nancy como "uma perfeita psicopata", e eventualmente justificou a necessidade de a matar. O artista acabaria por se envolver sexualmente com ela "por ser feriado" - era realmente o 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, sublinha ele - mas o caso durou pouco e desembocou rapidamente num final amargo que acabou com Nancy "atormentada e muito ressabiada". É nessa parte do livro que ele, depois de chamar a Nancy "um arco-íris amarfanhado", diz isto: "Naquela época, tirar a vida a alguém era considerado uma experiência necessária de crescimento e aprendizagem, era como perder a virgindade ou ter um filho".
Nancy foi a influência direta da música de Manson com os Spooky Kids "She"s not my girlfriend", de 1990. Aqui, musicalmente, o artista era ainda incipiente e estava longe dos colossos operáticos de metal industrial que atingiria em "The golden age of grotesque" (2003) ou em "Born villain" (2012). E também não possuía ainda o seu registo vocal de barítono que domina técnicas vocais estendidas, como o fechamento glótico, o jorro de gritos, os rosnados e os sussurros sibilantes. Mas nessa canção ele cantava já cheio de deboche: "O coração dela está na minha mão, e treme como um sapo, ela tenta entender o pequeno inchaço que está debaixo do seu pescoço", recitava ele, a explicar que ela se deitara no seu regaço, para depois soltar em golfadas: "Ela ela ela ela, ela não é minha namorada, não não não, eu não sou quem tu pensas que eu sou", fechando então tudo num esguicho de refrães explícitos.
O comportamento "asinino" e "malicioso"
Mas o caso de Nancy tem ainda mais pormenores. Depois de convencer um amigo a ajudá-lo com o seu plano, e com os dois já a caminho de Fort Lauderdale, onde ela morava, Manson descreve como "a seguimos, vistoriamos a sua casa e descobrimos as suas rotinas", dizendo depois que levavam consigo "um molho de trapos, uma caixa de fósforos e uma lata de querosene".
Mas foi quando já se abeiravam da casa de Nancy que um sem-abrigo começou a segui-los, enquanto lhes tentava vender drogas, e Manson e o amigo assustaram-se - não pela droga, mas porque nesse momento ouviram uma série de sirenes de carros da polícia que passaram por eles.
"Depois daquela noite em que queríamos queimá-la viva, continuei muito paranoico com a ideia de matar a Nancy, mas também com medo de ser apanhado e poder ir parar à prisão", escreveu. "E apercebi-me que, de facto, já tinha contado a muita gente que sentia ódio por ela, e mesmo o melhor dos planos não era suficientemente bom para nos proteger de eventos fortuitos, como haver carros de polícia".
Noutra passagem, Manson recorda como ele e outro amigo assediaram uma "morena muito boa" por quem ambos tinham um fraquinho, mas que ela "nem sequer reconhecia a nossa humanidade". A partir daí, continua Manson, "recuei na minha maneira usual de abordar as mulheres: comportamento asinino e malicioso", mas revelando que ele e o amigo ainda passaram "praticamente um mês inteiro" a fazer telefonemas ameaçadores, todos os dias, à mulher morena.
"No início, as chamadas eram inofensivas, mas rapidamente tornaram-se malvadas", relatou. "Nós estamos a ver-te, dizíamos-lhe nós em telefonemas a meio da noite, a ameaçá-la do alto da nossa luxúria mascarada pelo rancor. Olha, é melhor tu não saíres do trabalho esta noite, porque nós vamos violar-te no parque de estacionamento e depois vamos esmagar o teu corpo debaixo do teu próprio carro", escreveu Marylin Manson.
Até que ponto é "The long hard road out of hell" um relato de factos biográficos ou em que parte o livro se transforma num delírio bufão, e muito evidente, de humor macabro? Nunca saberemos.
O jornal "Houston Press" questionou, na altura do lançamento, se o livro era "inteiramente factual", assim como o "San Francisco Chronicle". Mas foi o "LA Weekly" que terá encontrado a definição acertada desta biografia de Marilyn Manson: "É a obra mitológica do rock mais humilhante e mais engraçada que já foi escrita na história".