Mais de uma centena de obras, 80 inéditas, integram a exposição "Graça Morais-Obras Escondidas, Obras Escolhidas", a inaugurar esta tarde de sexta-feira no Centro de Arte Contemporânea, em Bragança. O trabalho celebra os vários ciclos artísticos da pintora de Vila Flor, que celebra 50 anos de carreira.
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“Não é uma retrospetiva, porque não caberia neste espaço. Eu procurei reunir obras inéditas, para aí umas 80, sobre papel, que nunca foram expostas e que estavam guardadas em gavetas e em pastas. Por isso escolhi este nome para a exposição, pois algumas obras estavam escondidas”, explicou Graça Morais ao JN.
Não se tratando de uma exposição comemorativa, porque a artista não aprecia comemorações, é uma mostra de trabalhos de períodos diferentes de uma carreira longa, onde existe diálogo entre as várias obras que são o seu legado. “Não tenho de comemorar a carreira. Tenho é de mostrar obras e a minha pintura. São 50 anos de vida artística, mas não é uma exposição comemorativa, nem ontológica, nem retrospetiva”, acrescentou Graça Morais que quer que as suas pinturas “falem com as pessoas” numa época em que a Europa enfrenta grandes desafios sociais.
Pietàs contemporâneas
Trata-se, sobretudo, de um conjunto de obras fortes, relatos de violência, medo, angústia, desespero, “o massacre dos inocentes na Palestina”, a doença, as ‘pietàs contemporâneas’ no feminino e masculino, que revelam a leitura de uma realidade dura a que Graça Morais não consegue ficar indiferente, e que já mostrou na exposição ‘A caminhada do medo’ e que tem observado ao longo dos anos na imprensa e na televisão, em guerras e conflitos, seja na Palestina, Ucrânia, Médio Oriente ou outros lugares de horror e terror, o drama dos migrantes, dos excluídos e a pobreza.
“Há um fio condutor na exposição. As obras mais antigas são de 1975, que fiz em Guimarães, onde estava a dar aulas, na altura do 25 de Abril, onde era professora, mas já tinha um ateliê. Essas obras são sobre o 25 de Abril, maioritariamente sobre o período de 1975, uma altura muito complicada, mas a democracia consolidou-se e o 25 de Abril também. É a primeira vez que são expostas a um público mais vasto. Depois tracei um fio condutor a partir de obras sobre esta região [Trás-os-Montes], que realizei no fim do século XX para XXI, a que chamei Terra Quente no fim do milénio. Continua no ano 2000 a 2023 e depois com cenas muito dramáticas que temos assistido”, contou.
Estas obras que variam entre o carvão, as cores fortes como o vermelho sangue, os ocres e amarelos da Terra Quente têm uma intensidade dramática como que um frame parado no tempo de uma cena de num filme. “Nada disto é ilustração, mas tem a ver com um percurso de vida e a minha reflexão sobre o mundo. É o meu testemunho”, explicou a artista.
Trás-os-Montes está bem presente na exposição, quer na ligação com a natureza ou nas dimensões telúrica e social, no drama humano da emigração massiva nos anos 60, principalmente masculina, retratada na força de "mulheres fauno", as “quase viúvas, que aguentaram as aldeias” quando os maridos partiram para o estrangeiro. Realidade que observava no Vieiro, aldeia do concelho de Vila Flor, onde nasceu. “Emociono-me com elas e agarrei-as para a minha pintura”, que nunca é realista. “É simbólica”, vincou.
O distrito de Bragança é uma inspiração constante, num lado que lembra a escrita de Miguel Torga, na rudeza, autenticidade e na verdade. “O mundo é Trás-os-Montes, se eu não tivesse convivido com as pessoas que conheci, visto a pobreza, o drama da emigração a minha obra seria diferente. A minha pintura não é violenta, mas dramática. A vida não é simples. É claro que eu podia pintar flores e fazer uma pintura decorativa, se calhar estava milionária e não estou, mas este não é o meu papel no Mundo”, esclareceu a artista que faz questão de falar com sotaque transmontano.