Estudo aponta desequilíbrios profundos nas verbas atribuídas pelo ICA nos últimos 15 anos.
Corpo do artigo
Entre 2004 e 2019, mais de metade (53%) dos 161 milhões de euros atribuídos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) como apoio à criação e produção ficaram concentrados em dez entidades. Se alargarmos a recolha às 20 produtoras mais apoiadas, a percentagem aumenta para 73.
Estes dados resultam de um levantamento exaustivo feito pelo investigador e guionista Luís Campos, no âmbito de uma tese de doutoramento que vai ser apresentada em breve na Universidade da Beira Interior.
No mesmo estudo, feito a partir de uma consulta aos dados públicos disponibilizados pelo ICA, é possível observar que, apesar de as Finanças registarem um total de 2090 entidades aptas ao exercício da atividade da produção de filmes e audiovisual, os apoios estatais beneficiaram apenas 10% dessa amostra ampla.
Uma das principais novidades da tese é a de que dois únicos produtores - Paulo Branco e Luís Urbano (através da empresa O Som e a Fúria) - receberam 20% do total, o equivalente a 32 milhões de euros. Paulo Branco e Luís Urbano são também dois dos mais destacados subscritores do manifesto "Pelo Cinema Português", um movimento que acusa o Governo de aprovar um novo modelo de financiamento do setor "a favor dos grandes grupos económicos", ao retirar ao ICA o monopólio na atribuição de apoios.
Instado a comentar estes números, o presidente do ICA, Luís Chaby, afirmou que "o momento não é o mais oportuno, já que o tema está a ser debatido ao nível da tutela".
"Concentração gritante"
Ao confrontar-se, durante a pesquisa, com a "concentração gritante" dos apoios estatais à criação e produção cinematográfica, Luís Campos mostra-se convicto de que "o sistema privilegia quem recebe mais apoios".
Embora reconheça que até foram introduzidas alterações pela atual direção do ICA para "tornar o sistema mais plural" - o peso curricular baixou de 50 para 30%, por exemplo -, o criador do Guiões - Festival do Roteiro de Língua Portuguesa defende que o atual modelo "perpetua uma concentração de rendas que não é democrática nem plural no acesso a novas entidades produtoras".
É precisamente para dissipar eventuais suspeitas que o presidente da Academia Portuguesa de Cinema, Paulo Trancoso, se mostra favorável a "uma fiscalização mais clara, em nome da transparência". O produtor prefere não atribuir particular importância às conclusões do estudo, por entender que "em todas as áreas há sempre empresas dominantes, por disporem de mais meios".
Já o produtor da Terratreme Filmes, João Matos, admite preocupação pelos números revelados, mas sublinha que "o ICA já dispõe de mecanismos para a limitação da concentração de apoios".