Autor de "Praça da canção" faz uma revisão da sua vida no novo livro de poesia, "Quando".
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São menos de 40 páginas, mas nelas cabe (quase) tudo. Fulgurante revisão de uma vida preenchida como poucas, "Quando" - novo livro de poesia de Manuel Alegre - entrelaça ainda o destino de uma geração e a inquietação por um presente marcado pela "sombra que cresce em toda a parte".
Este é um livro de combate de alguém que, aos 84 anos, ainda acredita que "nada foi escrito"?
É sempre difícil explicar por que se escreve um livro, mas este veio a crescer dentro de mim há muito. Depois, subitamente, irrompeu. É um livro onde há vários tempos e fronteiras. Das vivências, da escrita, da memória. É um poema de uma vida. Do meu percurso, da minha geração, mas também de outras. Chegámos todos a este tempo sem horizonte, com muitas pragas dentro de uma praga.
"Quando" pressupõe uma pergunta, mas não tem ponto de interrogação. Cabe ao leitor situá-lo?
O título não tem ponto de interrogação, mas o livro está cheio de interrogações, muitas delas sem resposta. Este "Quando" procura ser a soma das interrogações sucessivas. Nele cabem o passado e o presente, mas sobretudo alguma esperança no tempo que há de vir.
O passado, presente e futuro tendem a fundir-se?
É preciso uma visão crítica do passado, mas, acima de tudo, memória. Sem isso, não há futuro. Aos que querem enterrar tudo, relembro que foi um velho de quase 80 anos, Joe Biden, que nos libertou dos demónios soltos por Trump.
Fala do aburguesamento da poesia. É por isso que há menos fervor poético?
São circunstâncias históricas diferentes. Na minha juventude havia a ditadura, mas hoje precisamos mais de poetas e profetas e menos de economistas.
Pela primeira vez assina como Manuel Alegre de Melo Duarte. Porquê?
Vou dar-lhe uma novidade: vou passar a assinar com o meu nome completo. Quando era campeão de natação, conheciam-me como Manuel de Melo Duarte. Quando publicaram os meus primeiros poemas estava preso e os meus amigos puseram o nome de Manuel Alegre. Assim ficou.
Entre o homem e o poeta houve sempre uma divisão, até porque "metade de mim ficou no tinteiro e a outra metade foi a dar a volta ao Mundo"?
Tive uma vida agitada que passou, além da escrita, por uma intervenção pública, na política e na cidadania, mas essa divisão aparente é a minha unidade. Essas duas metades juntas somam-se e fazem a inteireza.
Ser um poeta com biografia prejudicou-o?
O Octávio Paz dizia que os poetas não têm biografia, têm um destino. Ora, eu acho que todos têm biografia e destino. Mesmo Fernando Pessoa. Tinha a sua biografia e a dos heterónimos que criou. Há biografias vividas, outras imaginadas, mas o escritor é sempre ele próprio e a sua biografia.
No deve e haver, o que trouxe à sua poesia uma vida tão cheia?
Trouxe-me vivência, saber viver com os outros, mas também a aprendizagem de que, mesmo quando tudo parece perdido, há a possibilidade de dar a volta. É a soma das alegrias e das tristezas que completa a vida.