"Miramar II" é o segundo capítulo do encontro entre Frankie Chavez e Peixe, que desta vez se abandonaram à intuição e ao acaso na composição dos temas.
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Usando a metáfora de um relacionamento amoroso, o primeiro encontro entre os guitarristas Frankie Chavez e Pedro "Peixe" Cardoso, materializado em "Miramar" (2019), foi ainda algo cerimonioso e formal, com as duas partes a conhecerem melhor os antecedentes um do outro. Já no segundo encontro, que pode agora ser espiado em "Miramar II", as duas partes envolveram-se, deixaram de perceber o que era de um e o que era de outro. E agora já prometem, para um terceiro encontro, fazer da relação uma "suruba" - ou um "bacanal", como se diz em português europeu.
Tudo começou no festival alentejano Guitarras ao Alto, em junho de 2017, quando se encontraram em palco. Frankie provinha do blues e da folk, Peixe estava associado à pop-rock e era conhecido como membro dos Ornatos Violeta. Nas experiências que deram origem a "Miramar" - referência à praia do concelho de Vila Nova de Gaia onde os dois álbuns foram gravados, no Miramar Sessions Studio -, partiram de temas de certo modo já definidos. "Boa parte do álbum resultou de contribuições que demos às músicas um do outro, que já estavam razoavelmente estruturadas", diz Frankie. Já "Miramar II" é a "cumplicidade a levantar voo", continua o músico. "Foi tudo mais embrionário e as ideias foram sendo definidas pelos dois."
Peixe descreve bem esse processo criativo partilhado no texto de apresentação do álbum: "As músicas e os arranjos vieram de lugar nenhum, sem mapa e sem origem palpável, brotam do interior dos nossos corpos musicais que se estimulam mutuamente e desencadeiam no outro a magia da criatividade". Para chegar à magia, os músicos não pouparam nos ingredientes, convocando uma paleta ampla de guitarras, da acústica à portuguesa, da Weissenborn à lap steel elétrica. "Quisemos explorar as guitarras em todas as vertentes, experimentando técnicas e estéticas, usando diversos pedais e afinações", conta Peixe.
Brincaram também com as estruturas e deixaram que a intuição e o acaso definissem a composição: "Houve dois temas, "Safira" e "Cavatina", que resultaram totalmente da improvisação em ensaios. Tratou-se depois de estudar o que tínhamos feito e de reproduzir o improviso", diz Frankie. Nas 12 faixas de "Miramar II" perpassam ecos da música popular portuguesa, mas também de várias geografias imaginadas ou intuídas, dependendo das referências de cada um "aquilo que se vê". É o tal "caráter universal da música", sobretudo da música instrumental, explica Peixe: "Quando se ouvem só instrumentos a música mantém-se mais abstrata e universal. O que até torna ingrata a missão de escolher os títulos, porque aí podemos estar a dar algo de concreto. E a ideia é deixar as músicas abertas à interpretação".
Laginha e Conan
Nessa busca pelo "mundo mágico e universal da música", os dois guitarristas lembraram-se de introduzir um elemento exógeno às guitarras e convidaram Mário Laginha para interferir com o seu piano em "Recolher" - um dos tais títulos que já remete para algo de concreto em tempos de pandemia, mas que os guitarristas negam ter algo que ver com o assunto. O disco conta ainda com a participação de António Serginho na percussão e destila uma versão de "Celulite", tema constante no álbum de Conan Osíris "Adoro bolos". Fica a pista para o que virá a ser o "bacanal".