“Trenque Lauquen” é um enigmático filme argentino, tão bizarro quanto fascinante. Estreia esta quinta-feira nas salas de cinema e vale a pena descobri-lo.
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Comecemos pelo menos importante: “Trenque Lauquen” é um filme em duas partes, cuja duração ultrapassa quatro horas. Mas, se não compramos um livro pelo número de páginas, porque havemos de escolher os filmes pela sua duração? Será que o tempo, o tempo que nós temos para o lazer, está assim tão determinado?
Apesar de a realizadora Laura Citarella referir que a duração do seu filme é também um “gesto político”, a verdade é que a narrativa, que nos leva por caminhos impensáveis, se torna de tal modo hipnótica que, passado o primeiro choque do minimalismo que o filme nos propõe, não só exige essa duração, como vai ganhando com o tempo que passa – e no final, queiramos mais…
Rapidamente percebemos que Trenque Lauquen é o nome da localidade argentina onde se situa este relato – e é terra de origem da realizadora. O filme é daqueles em que o espaço é uma personagem. E, por coincidência, é certo, a relação com “Twin Peaks”, que espreita aqui e ali, torna-se mais explícita com a personagem central do filme, que desaparece no início e se chama Laura – e Laura Paredes é o nome da atriz que interpreta essa personagem, sendo também coargumentista com a realizadora, outra Laura.
“Trenque Lauquen” é um filme tão bizarro quanto fascinante, que nos transporta para a discussão sobre o próprio cinema. Estamos todos submersos pelas imagens, pelo ritmo incessante com que devoram o nosso espaço, pelas matrizes do que é válido ou não nas salas de cinema e no modelo tradicional de distribuição e exibição que, por vezes, não sabemos literalmente o que fazer perante um produto tão “estranho”.
É esse mesmo o desafio deste filme de mistérios, de deriva para um fantástico mais natural do que sobrenatural, que passa de um registo para o outro, como o drama sentimental ou o filme “on the road”, deixando sempre algo de si, como pistas para a nossa compreensão, para o nosso prazer enquanto espectadores.
Enquanto houver gente a fazer filmes assim, como os argentinos da El Pampero Cine, o presente e o futuro do cinema estão assegurados.