Cineasta iraniano Mohammad Rasoulof contou ao JN como fugiu do seu país para ser livre e como conseguiu levar o seu novo filme “The seed of the sacred fig” a Cannes. "É a primeira vez que saio do Irão sem ter um bilhete de volta. E essa é uma boa sensação", confessa.
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Mohammad Rasoulof esteve em Cannes para apresentar o seu novom filme “The seed of the sacred fig”, que concorria à Palma de Ouro e acabou por ganhar o Prémio Especial do Júri. Antes da primeira apresentação oficial do filme, Rasoulof falou com o JN, explicando como o conseguiu terminar e fugir do seu pais, escapando a uma pesada pena de prisão.
Como é que se sente por conseguir estar em Cannes?
Tenho sentimentos muito distintos e contraditórios. Por um lado sinto pena pelos meus atores, pela minha equipa, pela minha gente que não pode estar hoje aqui comigo. A maior parte deles ainda está no Irão, estão a ser perseguidos e em perigo. O meu coração está com eles e estou triste por estar longe. No que me diz respeito, é a primeira vez que saio do Irão sem ter um bilhete de volta. Mas tenho de confessar que agora, quando entro em casa, não sinto dez pessoas escondidas, prontas a saltar-me em cima. E essa é uma boa sensação.
Como é que conseguiu acabar o filme?
Tinha rodado talvez um terço do filme quando o meu advogado me comunicou a sentença de oito anos de prisão, por um processo anterior. Fiquei perturbadíssimo, porque talvez não conseguisse terminar o filme. Mas tentei concentrar-me no trabalho e perguntei ao meu advogado se tinha alguma possibilidade de acabar o filme. Estávamos em janeiro, íamos apelar da sentença e em fevereiro e março há um período de duas semanas em que nada acontece, porque é o ano novo. Com sorte, podia acabar o filme. E foi o que aconteceu.
E a pós produção, como decorreu?
Consegui enviar todos os materiais para fora do país, o meu montador e os meus colaboradores estão fora do país. Disse-lhes que agora o filme estava nas mãos deles e que se eu fosse preso o acabassem como estava previsto no guião.
Foi aí que decidiu tentar sair do país?
Tive exatamente duas horas entre acabar de enviar os materiais para fora e a notícia de que a sentença de prisão iria mesmo ser aplicada. Tinha de tomar a decisão de ir outra vez para a prisão ou tentar sair do país. Pensei então que se fosse outra vez para a prisão seria mais um preso político. E ficaria numa posição de passividade. Sabia que tinha mais histórias para contar e para o fazer não podia estar na prisão.
Como é que foram essas horas?
Fui para casa, olhei pela janela, despedi-me das minhas plantas, deixei para trás todos os meus aparelhos eletrónicos, pedi a um amigo para me trazer algum dinheiro, porque sabia que não podia utilizar o meu cartão de crédito e saí de casa sem documentos nem nada.
Como é que conseguiu fugir?
Como é que conseguiu fugir?
Primeiro fui para casa de um amigo, para estar em segurança, depois entrei em contacto com pessoas que tinha conhecido na prisão. É lado bom de estar preso, conhece-se pessoas a quem podemos depois recorrer. Neste caso, pessoas que fazem passar outras pessoas para o outro lado da fronteira. Primeiro levaram-me para um refúgio perto da fronteira, depois passei para o outro lado, para uma pequena aldeia.
O destino final era a Alemanha?
O mais complicado foi passar dessa aldeia para uma cidade com um consulado alemão. Não tinha documentos e a minha identidade tinha de ser provada. Como tinha já vivido na Alemanha, as autoridades alemãs poderiam identificar-me através das impressões digitais. Foi o que aconteceu e deram-me um documento com o qual pude viajar para a Europa. Toda a viagem demorou 28 dias.
Acha que o cinema pode mudar alguma coisa neste mundo em que vivemos?
Definitivamente, sim. A luta pela liberdade é uma luta constante. Apesar de tudo, a situação hoje é melhor do que há 100 anos.
Todos nós precisamos de um sentido para as nossas vidas. Para mim, nesta minha viagem pela vida, o que conta mais é a liberdade. A minha grande paixão na vida é a criação, o cinema. Mas se tivesse de escolher, renunciaria a essa minha paixão para ser livre. No entanto, sendo livre, sei que posso continuar a criar. É aí que encontro a energia para continuar.
Todos nós precisamos de um sentido para as nossas vidas. Para mim, nesta minha viagem pela vida, o que conta mais é a liberdade. A minha grande paixão na vida é a criação, o cinema. Mas se tivesse de escolher, renunciaria a essa minha paixão para ser livre. No entanto, sendo livre, sei que posso continuar a riar. É aí que encontro a energia para continuar.
Há muitos anos que as figuras mais inspiradoras na busca pela democracia no Irão são mulheres. Estou a pensar por exemplo na Narges Mohammadi, que venceu o Prémio Nobel da Paz e está acumprir pena de prisão no Irão. Há muitas mulheres conhecidas e outras anónimas que são um grande símbolo de resistência. Posso dizer que grande parte da minha energia vem dessas mulheres.
Há muitos anos que as figuras mais inspiradoras na busca pela democracia no Irão são mulheres. Estou a pensar por exemplo na Narges Mohammadi, que venceu o Prémio Nobel da Paz e está acumprir pena de prisão no Irão. Há muitas mulheres conhecidas e outras anónimas que são um grande símbolo de resistência. Posso dizer que grande parte da minha energia vem dessas mulheres.
Depois da morte do presidente iraniano há dias tem alguma esperança que a situação mude?
O regime iraniano é uma máquina criminosa. Não é a morte de uma pessoa e a sua substituição por outra que vai parar essa máquina. Vão continuar a fazer mal e a cometer atrocidades. Mas tenho esperança que com a pressão da comunidade internacional vão finalmente aceitar que o povo iraniano se veja livre deste sistema de ocupação.
Uma possível Palma de Ouro amanhã pode ter algum impacto no interior do país?
O mais importante é a presença do filme em Cannes. É uma mensagem de esperança para o povo iraniano e para os realizadores. Fizemos este filme com um orçamento muito reduzido e em condições muito complicadas Mas fizemo-lo e está aqui. O Irão tem realizadores e artistas muito talentodos, que t^wm de lutar contra a censura para fazer ouvir as suas vozes. Mostrar que estamos aqui é já uma mensagem de esperança para todos, mesmo que o filme não possa ser visto no Irão.
Depois da morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi há dias tem esperança de que a situação mude?
Sabe se o seu filme vai estrear no Irão?
Esperava ser premiado?
O mais importante é a presença do filme em Cannes. É uma mensagem de esperança para o povo iraniano e para os realizadores. Fizemos este filme com um orçamento muito reduzido e em condições muito complicadas Mas fizemo-lo e está aqui. O Irão tem realizadores e artistas muito talentodos, que têm de lutar contra a censura para fazer ouvir as suas vozes. Mostrar que estamos aqui é já uma mensagem de esperança para todos, mesmo que o filme não possa ser visto no Irão.
Primeiro fui para casa de um amigo, para estar em segurança, depois entrei em contacto com pessoas que tinha conhecido na prisão. É lado bom de estar preso, conhece-se pessoas a quem podemos depois recorrer. Neste caso, pessoas que fazem passar outras pessoas para o outro lado da fronteira. Primeiro levaram-me para um refúgio perto da fronteira, depois passei para o outro lado, para uma pequena aldeia.
O destino final era a Alemanha?
O mais complicado foi passar dessa aldeia para uma cidade com um consulado alemão. Não tinha documentos e a minha identidade tinha de ser provada. Como tinha já vivido na Alemanha, as autoridades alemãs poderiam identificar-me através das impressões digitais. Foi o que aconteceu e deram-me um documento com o qual pude viajar para a Europa. Toda a viagem demorou 28 dias.
Acha que o cinema pode mudar alguma coisa neste mundo em que vivemos?
Definitivamente, sim. A luta pela liberdade é uma luta constante. Apesar de tudo, a situação hoje é melhor do que há 100 anos.
Onde é que encontra a força para continuar, face a todas as dificuldades que enfrenta?
Todos nós precisamos de um sentido para as nossas vidas. Para mim, nesta minha viagem pela vida, o que conta mais é a liberdade. A minha grande paixão na vida é a criação, o cinema. Mas se tivesse de escolher, renunciaria a essa minha paixão para ser livre. No entanto, sendo livre, sei que posso continuar a riar. É aí que encontro a energia para continuar.
As mulheres estão no centro do seu filme. É nas mulheres que está a esperança do Irão?
Há muitos anos que as figuras mais inspiradoras na busca pela democracia no Irão são mulheres. Estou a pensar por exemplo na Narges Mohammadi, que venceu o Prémio Nobel da Paz e está acumprir pena de prisão no Irão. Há muitas mulheres conhecidas e outras anónimas que são um grande símbolo de resistência. Posso dizer que grande parte da minha energia vem dessas mulheres.
Depois da morte do presidente iraniano há dias tem alguma esperança que a situação mude?
O regime iraniano é uma máquina criminosa. Não é a morte de uma pessoa e a sua substituição por outra que vai parar essa máquina. Vão continuar a fazer mal e a cometer atrocidades. Mas tenho esperança que com a pressão da comunidade internacional vão finalmente aceitar que o povo iraniano se veja livre deste sistema de ocupação.
Uma possível Palma de Ouro amanhã pode ter algum impacto no interior do país?
O mais importante é a presença do filme em Cannes. É uma mensagem de esperança para o povo iraniano e para os realizadores. Fizemos este filme com um orçamento muito reduzido e em condições muito complicadas Mas fizemo-lo e está aqui. O Irão tem realizadores e artistas muito talentodos, que t^wm de lutar contra a censura para fazer ouvir as suas vozes. Mostrar que estamos aqui é já uma mensagem de esperança para todos, mesmo que o filme não possa ser visto no Irão.