Uma das grandes divas da atualidade vai interpretar "La divina" em "Maria Callas - Cartas e memórias", de Tom Volf, um dos píncaros da programação do 38.º Festival de Almada, que decorre até 25 de julho em sete teatros de Almada e Lisboa.
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Será a estreia em palco de Monica Bellucci, mulher de beleza icónica que se inscreve numa linhagem de atrizes italianas - Sophia Loren, Lea Massari, Claudia Cardinale - que motivaram suspiros a várias gerações de fãs. Aos 40 anos foi considerada a "mulher mais sexy do Mundo" pelos leitores da revista "Maxim", e aos 50, em 2015, tornou-se a mais velha (nunca a mais acabada) bond girl em "007 Spectre". Mas terá sido em "Malèna" (2000), de Giuseppe Tornatore, filme em que o excesso de beleza se apresenta como uma espécie de húbris condenado ao castigo, que o Mundo pôde testemunhar todo o esplendor da mulher que iniciou a carreira como modelo nos anos 1980.
Agora o desafio é imenso. Não só pelo debute no teatro, que Monica confessou ser "uma violência e um terror" em declarações à época do lançamento do livro "Maria Callas lettere e memorie", em 2019, onde procedeu à primeira leitura das cartas da cantora. Comparou a experiência com a do cinema e disse ser infinitamente mais difícil, pois nos filmes há uma "proteção" que desaparece em cima do palco, onde se "misturam as respirações do público e dos intérpretes", além de que a concentração, no teatro, terá de ser total durante todo o espetáculo, enquanto no cinema "se descansa entre a filmagem das várias cenas". E a mais longa de todas, protagonizada por Monica, durou 20 minutos e corresponde a uma das mais polémicas da sua carreira - a vagarosa violação em "Irreversível", de Gaspar Noé.
história em três décadas
Mas representar Maria Callas (1923-1977) torna a empreitada ainda mais difícil. Ou talvez mais fácil, tratando-se de duas divas. É essa a opinião do encenador Tom Volf, que coligiu, ao longo de sete anos, as cartas e documentos da soprano grega que estão na base do espetáculo: "Com o seu estatuto de celebridade, Monica teve mais facilidade em compreender a mulher por trás da lenda. Ambas tiveram as vidas expostas e devassadas nas capas dos jornais. Não precisei de fazer qualquer ajustamento, já estava tudo feito à medida".
Como o vestido de Callas que será usado em palco por Bellucci ao longo das três partes do espetáculo em que se desenham as três décadas mais notórias da cantora. Os anos 1950, em que se estreia nos grandes palcos mundiais, como La Scala, Covent Garden ou Metropolitan, exibindo um alcance vocal de "soprano absoluto", e se casa com Giovanni Meneghini. Os anos 1960, em que se afirma como a maior voz feminina de ópera do século XX e é perseguida pelos tabloides à conta da sua relação com o magnata grego Aristóteles Onassis, que viria a casar com Jackie Kennedy. E os anos 1970, em que a diva se recolhe no apartamento de Paris, depois de uma última aparição em palco, em Sapporo, no Japão, 1974, para um final de vida solitário e nostálgico. Interrogada sobre se o rótulo de diva a incomodava, Bellucci disse que não era algo negativo: "Em italiano significa alguém que recebe a luz do céu".