Após uma longa batalha contra um cancro no cólon, o compositor e músico japonês Ryuichi Sakamoto morreu aos 71 anos, confirmaram representantes do artista à imprensa do seu país. Para trás fica uma longa carreira a que não faltaram prémios ou a aclamação do público e da crítica.
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Discreto em vida, Ryuichi Sakamoto despediu-se da carreira com o mesmo grau de comedimento. Depois de em dezembro se ter despedido dos palcos, com um concerto em streaming, e de ter lançado o último álbum, "12", já no início deste ano, o mais aclamado músico japonês do nosso tempo perdeu a batalha que enfrentava há muito com um cancro no cólon.
A morte, ocorrida na terça-feira, só foi anunciada neste domingo por representantes do artista na sua conta oficial do Twitter através de uma breve publicação em que figurava apenas a data do nascimento e do falecimento. No seu funeral, entretanto realizado, compareceram apenas familiares e amigos próximos.
Nascido em Tóquio, Sakamoto começou a interessar-se pela área musical logo no início da década de 1970, completando os estudos superiores em eletrónica. Já então era a exploração e o manuseio de sons através do recurso a sintetizadores avançados para o seu tempo.
Em 1975, é editado o seu primeiro trabalho discográfico, "Disappointment-Hateruma", nascido da colaboração estreita com o percussionista Toshi Tsuchitor. Esses foram anos de aprendizagem intensa que o preparariam, anos mais tarde, para a sua primeira experiência artística de grande visibilidade: em 1978, com Haruomi Hosono e Yukihiro Takahashi, formou os Yellow Magic Orchestra, banda de pop eletrónica progressiva que alcançou um raro êxito internacional para uma banda nipónica.
Mais do que atingirem os lugares cimeiros das tabelas inglesas com "Firecracker", contribuíram para o aparecimento, quase uma década depois, de movimentos como o acid house e o techno. A "resposta japonesa" aos Kraftwerk, que então lideravam a eletrónica mundial., só não teve o mesmo impacto continuado no tempo, porque Sakamoto era demasiado livre para encaixar na rigidez de um grupo, preferindo investir os principais esforços na carreira a solo.
Um ano antes do fim da primeira encarnação dos Yellow Magic Orchestra, entre 1978 e 1984, o compositor alcançou um dos pontos altos do seu percurso, ao contracenar em "Merry Christmas, Mr. Lawrence", filme de Nagisa Oshima, ao lado do cantor David Bowie, além de ter composto também a trilha sonora e a música-tema de "Forbidden Colours", cantada por David Sylvian.
O êxito internacional foi avassalador, deixando o músico, recatado por natureza, numa posição desconfortável. Numa entrevista à revista "The Wire", em 1990, confessou o seu espanto "Não sabia que o sentimentalismo era tão popular e tinha uma função emocional tão forte nas pessoas".
As solicitações subiram em flecha e, quatro anos depois, surgiu um convite inesperado: compor uma banda-sonora para "O Último Imperador", do cineasta Italiano Bernardo Bertolucci., com a qual venceria o Oscar para Melhor Banda-Sonora Original. À estatueta da Academia de Hollywood juntou o Globo de Ouro, galardão que voltaria a conquistar em 1991, com "Sheltering Sky", a meias com Richard Horowitz. Ainda nessa década, alcançaria o principal prémio da indústria musical, o Grammy, pela Melhor Composição Instrumental para Filme ou Televisão com "O pequeno Buda".
Ainda que sem a mesma frequência e intensidade, o cinema e a televisão continuaram a atraí-lo. Brian De Palma, Pedro Almodóvar, Oliver Stone, Alejandro González Iñárritu foram apenas alguns dos muitos cineastas com quem trabalhou ao longo dos anos.
Por saturação ou simples vontade de abraçar novos desafios, foi-se afastando aos poucos da esfera pop. O interesse pela etnomusicologia, uma das suas especializações, levou-o a investir a partir da década de 1990 em sonoridades das ilhas japonesas de Okinawa, ritmos latinos ou música africana. Outra das suas grandes paixões, o reportório brasileiro, levou-o a gravar o álbum "Casa", com Jaques Morelenbaum, no qual teve a oportunidade de tocar no piano que pertenceu a Antônio Carlos Jobim.
Numa carreira ininterrupta desde a década de 1970, a primeira paragem forçada aconteceu em 2014 devido a um cancro na garganta. De regresso às lides após um ano, entregou-se a fundo a dois projetos que ganhariam forma em 2017 e 2018: primeiro, "async", que viria a ser o seu último álbum de originais, e um documentário sobre o seu percurso, intitulado "Coda". Uma obra de contornos testamentários que agora, consumada a sua partida física, ganha ainda outro significado.