Novo álbum de Moullinex, "Requiem for empathy", apresentado esta quarta-feira na Casa da Música, no Porto.
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"Acredito que vamos viver uma onda de felicidade e euforia sem precedentes. Acho que a merecemos, depois de tanto sofrimento". A profecia (autorrealizável, esperemos) é de Luís Clara Gomes, conhecido como Moullinex, um dos DJ e produtores portugueses mais conceituados internacionalmente. A pandemia fê-lo pensar em empatia, ou na falta dela, e o resultado foi "Requiem for empathy", quarto álbum que edita com o selo da Discotexas, editora que fundou em 2007 com Xinobi.
Virá a felicidade, mas não foi esse o estado de espírito dominante neste trabalho: "Ainda antes da pandemia, passei por uma série de episódios difíceis, que culminaram na morte do meu avô, uma figura de grande importância para mim. Percebi que tinha negligenciado o meu círculo mais próximo. E a minha resposta foi fazer música, tentar, com este projeto, nunca mais esquecer essa parte da minha vida". Mas esse exercício terapêutico, como reconhece o músico, não foi um solipsismo, um mergulho estéril nas profundezas do "eu". Desde logo, porque foi partilhado. "Convidei outros músicos a exporem as suas vulnerabilidades", conta Moullinex.
A pista como horizonte
Num disco que contrasta com o ritmo de festa desbragada do último "Hypersex" (2017) - até porque, diz Clara Gomes, "sentiu-se no meio da música de dança alguma dificuldade, durante este período, em fazer coisas rítmicas, tendo prevalecido um som mais contemplativo e ambiental -, a toada introspetiva tem a participação de GPU Panic no single "Running in the dark", Ekstra Bonus em "Ven", Sara Tavares em "Minina di céu", Selma Uamusse em "Ngoma Nwama" e Afonso Cabral em "Hey bo". Ou seja, uma paleta representativa da nova cena musical lisboeta, feita de múltiplos encontros de culturas e linguagens.
Mas a partilha dessas "perdas pessoais", dessa necessidade de "acolher as sombras", envolve também o ouvinte, ou não fosse Moullinex um DJ, alguém que promove a "comunicação não verbal" como ofício. "Quando faço música tenho sempre a pista como horizonte. Se não funciona na pista é porque não me saiu do coração". Mesmo nos diretos que proliferaram durante os confinamentos, e que deixaram um sentimento misto a Moullinex - "eram uma forma de me distrair e continuar a trabalhar, mas ao mesmo tempo ficava ainda com mais saudades de tudo o que se tinha perdido" -, essa ideia de "empatia" manteve-se: "Houve muita gente que me escreveu a agradecer, aqueles "lives" ajudaram as pessoas a lidar com a pandemia. Mesmo sendo uma coisa fugaz, deixa repercussões positivas".
Um verão de amor
Já fora do ambiente digital, na primeira apresentação ao vivo de "Requiem for empathy", na Culturgest, em Lisboa, Moullinex testemunhou uma "energia e uma entrega por parte do público como eu nunca vi". E é por essa amostra que acredita, enquanto "otimista pragmático", que poderemos estar na iminência de um novo "verão do amor", usando como referência os fenómenos que conduziram, na Inglaterra do final dos anos 1980, ao nascimento das raves e da cultura clubbing. "Ainda sinto algum pânico ao imaginar as pistas suadas, mas creio que se aprendermos algo com as lições da pandemia, as festas do futuro serão melhores, a nossa comunhão será mais intensa". Oxalá.