Estudo da Gulbenkian confirma que a leitura é a exceção em que o público feminino mais ordena. Miguel Lobo Antunes espera que estes resultados "mereçam reflexão".
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Todas as atividades culturais que implicam deslocação são mais frequentadas por homens. A conclusão é retirada do recente estudo sobre as práticas culturais dos portugueses, da Fundação Calouste Gulbenkian.
Miguel Lobo Antunes, jurista e antigo programador do Centro Cultural de Belém e Culturgest, autor do capítulo das práticas culturais por género/sexo, corrobora. "Nas práticas de saída que selecionei é completamente verdade. Não sei qual a razão que está por trás desses números, não as investiguei, mas estará relacionada com a situação da mulher em Portugal, com os trabalhos domésticos e com as crianças" contou ao JN.
Em sentido contrário, são as mulheres que mais leem (43% contra 35% dos homens), apesar dos resultados do estudo revelarem que, no último ano, 61% dos portugueses inquiridos não leu qualquer livro impresso. Os motivos apontados também diferem segundo o sexo: preferiram dedicar-se a outras atividades (homens 17 %, mulheres 10%) e falta de tempo (homens 11%, mulheres 6%) são os mais comuns. Apenas 7% dos inquiridos afirma ter lido entre seis e 20 livros.
No que diz respeito a concertos de vários tipos de música, assim como às idas a festivais e festas locais, visitas a monumentos e idas ao cinema são sempre os homens que estão em maioria.
tendência ocidental
Ainda de acordo com Miguel Lobo Antunes, há uma tese de doutoramento portuguesa que se debruça sobre o fenómeno da leitura feminina na sociedade ocidental. "Desde os anos 1970/80 que as mulheres leem mais do que os homens. Aqui conta o ensino, a progressão e também o facto de professores, bibliotecários e mediadores serem na sua maioria mulheres".
Os estudos também mostram que os homens passam mais tempo na Internet, o que permitirá que as mulheres tenham mais tempo para ler. A isto acresce "um fator de leitura que tem a ver com a sociabilização com os filhos através dos livros infantojuvenis. Isso também se passa em Portugal. Alguns acham igualmente que a construção da identidade feminina passa pela leitura. Esta é uma das razões apontada nos anos 90 e no início deste século. E intuo também que as mulheres têm uma vida interior mais rica do que os homens", diz Miguel Lobo Antunes.
Quando se veem os resultados país a país, os poucos em que a percentagem de mulheres que dizem ter praticado uma atividade cultural é inferior à dos homens são Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Roménia. De resto, Portugal é dos poucos países da UE em que há uma diferença significativa entre as percentagens dos inquiridos mulheres e homens que dizem ter uma participação cultural mínima. Uma diferença desfavorável às mulheres. " Uma das coisas que me surpreendeu foi o facto de os Países Baixos, que se têm como muito avançados em ética dos costumes, nas práticas culturais serem comparáveis connosco".
Uma das atividades que também consegue reunir mais mulheres do que homens é o balé. Mas "é uma atividade tão residual que nessas práticas minoritárias a variação é muito pequena".
Miguel Lobo Antunes espera que este estudo "mereça reflexão, procurando-se descortinar as causas e os efeitos".