O Museu da Cidade apresenta um bailado de máquinas e uma viagem aos anos 1990 na Invicta.
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Quando Nuno Faria foi convidado para assumir os desígnios do Museu da Cidade do Porto já se sabia que pretendia fazer um projeto macro dos espaços museológicos sob alçada da autarquia portuense. Mas desconhecia-se como.
O curador foi até 2019 diretor artístico do Centro Internacional das Artes José de Guimarães. Trabalhou no Instituto de Arte Contemporânea e na Fundação Gulbenkian. Em Loulé, fundou o projeto Mobilehome - Escola de Arte Nómada, Experimental e Independente.
No Porto criou 17 extensões para o Museu da Cidade que começam agora a ser visíveis. As extensões trabalham cinco eixos: Sonoro, Natureza, Material, Líquido e Romantismo. Dentro destes há ainda uma subdivisão por gabinetes: Atmosférico, Triplex, Desenho, Tempo, Som e Gráfico.
O JN visitou dois destes gabinetes que têm exposições patentes ao público. Na Casa do Infante, no gabinete do Tempo, está instalada a mostra "Foundtapes", de Pedro Augusto. A sua génese parece prosaica: "Quando vim viver para o Porto, em 2001, colecionava várias coisas, entre elas fitas de cassetes que ia encontrando na rua". Apareciam "em ninhos, atadas em railes de proteção". Decidiu restaurar as que tinham salvação e fazer um arquivo sonoro.
"Foundtapes" contém um mapa da cidade que detalha as 100 entradas onde foram encontradas as fitas, e das cassetes recuperadas foram escolhidos cinco episódios para a mostra. O primeiro é de 1996 e relata o dia de um agente comercial da Solimpa que vai tomando nota das entregas e acaba por atropelar uma pessoa na Rua do Amial, de nome Luís Filipe, registando também esse acidente. Pedro Augusto não procurou o protagonista, mas diz que gostava de o encontrar.
O lado B da mesma cassete tem um estudante a debitar matéria de História, possivelmente o filho do agente comercial. O segundo episódio destacado é um concerto dos Pólo Norte em 1998 e a banda sonora de "Romeu e Julieta". A terceira gravação, encontrada em Vila Chã, é um registo de hits de verão. O quarto episódio é formado por duas cassetes encontradas num intervalo de quatro anos na Avenida Rodrigues de Freitas, duas edições de "Eu sei, tu és", dos Santamaria. O último episódio é uma gravação de "Lambada" um dos hits das de "Foundtapes". Este arquivo, premiado pelo programa Criatório, "documenta uma história marginal", afirma Nuno Faria.
Papagaios de papel
Este apego a histórias marginais faz com que as exposições de Nuno Faria tenham um cunho poético. No Gabinete do Desenho na Casa Guerra Junqueiro está "A obliquação da gravidade", de António Veiga Leitão, autor que marcou diversas gerações de crianças com os seus papagaios de papel. Na sua oficina foi encontrado "um conjunto de construções, máquinas, papagaios voadores, esculturas em madeira, outros objetos, materiais, documentos, imagens", conta Nuno Faria. Um bailado de máquinas.
Este homem, que era também um poeta, fazia todos os instrumentos na casa, onde havia várias menções a medidas de eletricidade, um deleite para os amantes da física. Junto de uma escultura escreveu: "Os novos e os vindouros vão ocupar-se mais com as ideias, criando e ajudando em vez de destruírem, aproximando-se assim a passos rápidos da total compreensão das leis do Universo".