Pelo 18.º ano, a Kino - Mostra de Cinema de Expressão Alemã exibe a partir desta quinta-feira o que de melhor se fez no ano nos países de expressão alemã - Alemanha, Áustria, Suíça e Luxemburgo. O encerramento das salas fez transitar a retrospetiva para a plataforma Filmin, que disponibiliza, a partir desta quinta-feira, os filmes, sem que seja necessária inscrição.
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A abrir a maratona de 18 filmes está a adaptação aos nossos dias, na era dos refugiados, do grande clássico da literatura alemã do século XX "Berlin, Alexanderplatz", que Fassbinder transformara em notável série de televisão. Para protagonista foi escolhido Welket Bungué, nascido na Guiné-Bissau há 32 anos. O ator passou por grupos de teatro em Lisboa e em Beja, realizou curtas, viveu no Brasil e divide agora o tempo entre a Alemanha, Lisboa e o seu país natal. O futuro é dele.
Como é que surgiu a oportunidade de protagonizar "Berlin, Alexanderplatz"?
Há dois anos que andavam à procura de um ator para este papel. Em 2017, fui à Berlinale com um filme brasileiro, "Joaquim" e quiseram contactar-me, mas não conseguiram. Depois, lá acabei por receber um e-mail.
Como reagiu à proposta?
Pensei que era spam (lixo), escrito em inglês e em alemão, com o título do livro. Mas quando vi que era a sério, respondi logo. Foi uma oportunidade fantástica.
Quais foram as principais dificuldades que sentiu?
A principal teve a ver com o facto de não falar alemão. Tive de aprender a língua, primeiro em Portugal, depois na Alemanha. Transportei essa experiência para o personagem, porque um dos desafios que ele tem de ultrapassar é o de aprender a língua alemã.
Leu o livro e viu a série?
Vi três episódios da série e li algumas partes do livro. Mas não me quis submergir nessas referências ou no romance original. Tentei fazer este trabalho sem preconceitos, porque não sei o que é estar na pele de um refugiado.
O filme fala de uma realidade que lhe é desconhecida.
É o retrato desta geração de berlinenses. Queríamos falar disto. É um filme importante, porque lemos os jornais e vemos televisão e não vemos lá nada disto [o que tem de fazer um refugiado que chega à Europa]. Percebemos então por que razão temos de ir ao cinema. Não está submetido ao pensamento dominante nem aos interesses de uma minoria.
Sempre quis ser ator?
Sonhava com isso desde muito novo. Quando comecei a fazer teatro, em 2005, percebi que era definitivamente o que queria ser. Desde então fui à Índia fazer a minha primeira longa-metragem e fiz a série portuguesa "Equador". Nos últimos anos, tenho feito também várias produções no Brasil.
O seu percurso é conhecido e seguido na Guiné-Bissau?
As pessoas de lá têm consciência, mas é algo folclorizado. Dizem que temos um artista que internacionaliza o nome do país, e o povo reconhece e apoia bastante. As coisas estão a andar como seria possível. Mas a solidez do aparelho mediático de lá é diferente e não quero ter a pressão de ser a mascote da cultura da Guiné-Bissau.
Como é a situação do cinema e das artes em geral no país?
Não tem robustez industrial ou o aparato profissional e técnico, mas há cinema feito por artistas independentes. Há muitos escritores, poetas e há órgãos que têm evidenciado a soberania cultural do país. E isso é muito positivo.