David Marçal e Carlos Fiolhais expõem os fundamentos da falsa ciência num livro didático e divertido.
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Assumem diferentes nomes, orientações e até estratégias, mas convergem no essencial: acreditam que a ciência é apenas uma fachada atrás da qual se escondem objetivos sombrios de controlar a Humanidade. Quer sejam negacionistas, conspiracionistas ou terraplanistas – ou trumpistas, se quisermos ser mesmo insultuosos –, desdenham dos avanços científicos ao longo dos séculos e mostram-se convictos de que nada é tão complexo que não possa caber num tweet, num reel ou numa story, a santíssima trindade do seu peculiar modo de vida.
São estes seres, digamos, pensantes, que voltam a estar no centro da nova edição, revista e atualizada, de “Pipocas com telemóvel”, um pertinente projeto de divulgação científica da dupla David Marçal/Carlos Fiolhais que expõe muitas das falsas crenças que nos rodeiam no dia a dia.
Se, por um lado, é verdadeiramente lamentável que os principais beneficiários de um livro que se propõe demonstrar essas falácias sejam aqueles que, devido ao fundamentalismo que rege as suas vidas, se recusam a lê-lo, nem por isso esta obra perde vitalidade, ao proporcionar-nos abundantes exemplos de como só com informação e conhecimento podemos evitar as artimanhas a que muitos recorrem para ludibriarem os mais incautos.
Cética quanto aos irrefutáveis progressos científicos da Humanidade, a casta de negacionistas é, em muitos casos, a primeira a fazer uma prova de fé cega em teses, no mínimo, discutíveis, sejam as curas quânticas, os milagres congelados (como os bancos privados que preservam as células do sangue do cordão umbilical) ou os amanhãs que cantam prometidos pela homeopatia e seus derivados.
À lista de lugares que mais contribuem para a propagação da designada falsa ciência não escapam sequer os supermercados. Como escrevem os autores, uma ida às compras tornou-se, nos nossos dias, “uma complexa aventura farmacológica”, tal a quantidade de promessas de saúde eterna que cada rótulo encerra, recheado de terminologia pseudo-científica capaz de deixar qualquer um na dúvida. Das bactérias milagrosas aos sumos com antioxidantes e águas com fibras, até às conservas com ómega-3 ou cremes com vitaminas, os exemplos são quase intermináveis.
Além de denunciarem muitas dessas incongruências, David Marçal e Carlos Fiolhais vão mais longe: desmontam a estrutura e o funcionamento do pensamento pseudocientífico, convocando uma pseudorracionalidade que tem o objetivo de “ofuscar a nossa racionalidade”, como escreve o cronista e comentador Luís Pedro Nunes no prefácio desta edição.
“Pipocas com telemóvel”
David Marçal e Carlos Fiolhais
Gradiva