Depois do concerto dos “Bad Seeds” na Meo Arena, em Lisboa, Nick Cave prolongou a estadia na capital e, de folga, respondeu às cartas dos fãs, através do site “The Red Hand Files”. Iluminado pelo “sol português de outubro”, o músico australiano explicou o que, para ele, é preciso “para ser livre”.
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“Caro Jai, estou sentado na varanda de um hotel com vista para a cidade de Lisboa e a ler as perguntas que me têm chegado”, começou por escrever Nick Cave, em resposta à carta de um fã, no site ‘The Red Hand Files’, criado em 2018 com essa finalidade.
Um dia depois da atuação de domingo no Meo Arena, o músico australiano, de 67 anos, aproveitou as horas livres na capital para dar feedback a quem lhe escreveu. “Talvez seja o sol português do final de outubro, ou talvez seja porque temos um dia de folga inesperado (obviamente um descuido de gestão), mas sinto que é altura de voltar aos ‘The Red Hand Files’”, reconheceu.
Ainda dirigindo-se a Jai, um admirador de Melbourne, Austrália, Nick Cave sublinhou que, apesar de “ainda estar em digressão” com “The Wild God Tour”, a pergunta deste saltou-lhe “à vista”, por querer saber o que é necessário "para ser livre”.
O seu foco, enquanto compositor, é “principalmente com a liberdade artística - liberdade de expressão, crença e imaginação”. “O que é preciso para seguir estas liberdades - para me sentir genuinamente livre - tem paradoxalmente algo que ver com ordem e constrangimento. Sinto-me livre para me exprimir e consigo aceder a uma maior qualidade de imaginação quando são colocadas certas restrições”, explicou.
“Como muitos de vós sabem, observo protocolos específicos para abrir a mente criativa - sento-me numa secretária no meu escritório e escrevo, trabalhando exclusivamente entre as 9 horas e as 17 horas”, acrescentando, notando que, nas “horas de expediente”, a sua mente “torna-se genuinamente livre”.
“Para mim, o que para alguns deve parecer trabalho forçado é onde toda a imaginação, beleza e amor são livres para acontecer. A liberdade encontra-se no cativeiro. A desordem, a aleatoriedade, o caos e a anarquia são o lugar onde a imaginação vai morrer, ou assim descobri”, admitiu.
Nick Cave diz que “assim se passa com a fé e a liberdade de crença”, ou seja, “sinto uma vaga ‘espiritualidade’ no caos do mundo, uma perceção de que Deus se encontra implícito de uma forma latente e metafísica, mas é só na igreja - uma instituição humana e falível - que me sinto verdadeiramente livre espiritualmente”, completou.
“Claro que estas ideias são puramente subjetivas”, salvaguardou, notando que “muitas pessoas criativas, especialmente os mais jovens, sentem que a sua relação caótica ou desordenada com o mundo é indispensável à sua liberdade criativa”. “Depois de trabalhar arduamente nesta área, sinto que não é assim. O músculo da imaginação é fortalecido através da resistência, da disciplina e da ordem".
Após a passagem por Portugal, Nick Cave and The Bad Seeds apresentam-se em dose dupla, esta quarta e quinta-feira, em Antuérpia, na Bélgica, com a “The Wild God Tour”, que se despedirá da Europa a 17 de novembro, em Paris, França.
Antes de partir, o músico e a sua banda jantaram no restaurante Pinóquio, na Praça dos Restauradores, na Baixa de Baixa, com amêijoas à Bulhão Pato no menu. Foi um regresso para Nick Cave e, como se lê, no Instagram, onde duas fotografias testemunham a sua presença no espaço, as conversas ficam “guardadas entre as quatro paredes”.