Rui Spranger encena texto de Pilar Ruiz que evoca o conflito das Malvinas.
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Por causa de uma troca de mochilas, um soldado é dado como morto durante a Guerra das Malvinas, conflito que opôs o Reino Unido e a Argentina em 1982. Mas Júlio, antigo músico e professor de literatura, não caiu em combate. Quer retomar a vida, recuperar a sua banda, reencontrar Cecília, que ama desde a infância. Um desejo que esbarra com a realidade dos que o julgavam morto - a mãe empacotara-lhe os pertences, a namorada cansou-se de esperar. É nesse confronto entre os que foram para a guerra e os que ficaram que se desenvolve o drama de "Os heróis que não aterram nas ilhas dos contos", peça de Pilar Ruiz (Buenos Aires, 1988) encenada por Rui Spranger, da companhia Apuro, que se apresenta em estreia nacional no FITEI.
Inspirada no livro "O heróis das mil faces", de Joseph Campbell, que defende a existência de uma estrutura comum nas jornadas dos heróis mitológicos, da Grécia e do Oriente às figuras da Bíblia, a dramaturga, que irá conduzir oficinas no festival e seminários sobre interpretação no Balleteatro, insere o seu protagonista nessa grelha do "monomito", composta pelas etapas da partida, iniciação e retorno.
"Interessou-me a imbricação do texto com a mitologia e a história da literatura", diz o encenador, que garante ser pura coincidência a relação entre os 40 anos sobre a guerra das Falklands e o atual conflito no Leste. É dado um contexto histórico através da projeção de imagens de arquivo, atinentes aos combates e aos discursos políticos da época, de Margaret Thatcher a Leopoldo Galtieri. Mas o essencial do espetáculo passa-se dentro da cabeça das personagens, interpretadas por Fernando André e Mariana Silva Costa, que viveram a guerra e foram transformados por ela de maneiras distintas.
Situando a ação num único espaço, o quarto de Júlio, Rui Spranger fez do tema minimal de Steve Reich "Music for 18 musicians" um importante elemento dramatúrgico que sublinha a tensão entre o niilismo e a revolta de Júlio e a tentativa de Cecília de o fazer acreditar que, afinal, continua vivo.
Os heróis que não aterram nas ilhas dos contos
Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery
Até 14 de maio