O NOS Alive despediu-se este sábado – já com a edição do próximo ano marcada para os dias 9, 10 e 11 de julho de 2026 e os Buraka Som Sistema confirmados – com casa novamente esgotada, muito por culpa de dois grupos que são fenómenos, a diferentes níveis, em Portugal.
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Primeiro, os Muse, banda encabeçada por Matt Bellamy que cumpriu no 17.º Alive a sua 17.ª passagem pelo nosso país. Anunciados em substituição dos Kings of Leon, que cancelaram há semanas por problemas de saúde do vocalista, o trio britânico foi em Algés foi igual a si mesmo: competente, empenhado, som perfeito, alinhamento próximo disso.
É difícil imaginar um dia em que, depois de tantos anos a vermos os Muse ao vivo, em circunstâncias tão diferentes, fases deles e nossas, em palcos tão díspares, que tenhamos algo a dizer que divirja do facto da entrega e o profissionalismo serem totais, as músicas escolhidas para os espetáculos ao vivo, ainda que com pequenas variações, hinos de estádios ou festivais, o público sempre disposto a acolhê-los, não como se fosse a primeira vez porque para poucos o será (e já não há cânticos a imitar cada riff de guitarra como aconteceu em outros tempos), mas de braços abertos e coros preparados.
Depois dos primeiros “Unravelling” (novo tema estreado há semanas), “Interlude” e “Hysteria”, Bellamy agradeceu ao público, um “boa noite, Lisboa”, logo mostrando estar em forma, a energia pronta, uma guitarra atirada ao ar como rockstars fazem, a voz sem diferenças dos discos, como também é habitual.
Em “Thought contagion” já havia confettis, em “Madness” pedidos ao público para ajudar nas cantorias, em “Plug in baby” não deveria haver um corpo parado ou a não saltar em todo o recinto.
Ao longo do resto do alinhamento, desta feita sem a versão de “Feeling good” de Nina Simone, houve ainda tempo para “Time is running out”, “Supermassive black hole”, “Uprising” ou, já no encore, “Starlight”, para a despedida, com direito a fogo de artifício.
Dentro de um espetáculo onde o tempo novamente voou, a destacar ainda uma homenagem bonita do baixista, Chris Wolstenholme, que atuou sempre com a t-shirt de Diogo Jota, o eterno 21 da Seleção Nacional. A cada momento que o músico se virava, e que as câmaras focavam o nome e número do jogador, o público respondia com uma espontânea ovação.
Quando o rock industrial é culto
Se os Muse já completaram 30 anos de carreira, os Nine Inch Nails caminham para os 40. Trent Reznor, e a banda que trouxe o rock industrial para o mainstream ou para o culto, marcaram os anos 90 graças a discos como o primeiro “Pretty hate machine” (1989), “The downward spiral” (1994), álbum conceptual sobre a história da descida de um personagem à escuridão, e “The fragile” (1999), deles retirados obras musicais únicas, “Head like a hole”, “Closer”, “Hurt”.
Mais recentemente, Reznor destacou-se em bandas sonoras premiadas com Óscares, tendo levado a paisagem cinematográfica já genética dos NIN, que sempre lá esteve, a um outro patamar quando, em 2016, acolheu o produtor inglês Atticus Ross como membro da banda, criando já depois a série instrumental “Ghosts”. Juntos, conceberam obras primas da música para cinema, como as bandas sonoras de “A rede social”, “Soul” ou “Challengers”.
Ao Alive, o grupo norte-americano trouxe a tour "Peel it back", a primeira pela Europa em anos: um desfile de êxitos próprio – olhando para as setlits das últimas semanas é possível reparar como a cada noite há diferenças, não só na ordem como nas canções, nada é pré-formatado. E assim foi em Algés, muito público ainda no recinto para os ver já depois da meia-noite, o alinhamento a incluir “Somewhat damaged”, “Wish”, “Mr. self sestruct”, “March of the pigs”, ou “Reptile”, a banda em palco de preto, a máquina industrial limada, a mancha sonora arrasadora, um fundo cinzento de fumo entrecortado pela iluminação, um staging e jogo de luzes impressionante.
Para Reznor, 60 anos, a roupa preta é a sua capa, o microfone ao qual se agarra, apoia, de forma única, a sua extensão. Canta de olhos semicerrados, vai comunicando com os braços ou pedindo palmas e a música fala por si, sobretudo numa sucessão como “Closer”, “The perfect drug” ou “Every day is exactly the same”; o público sempre ali, em reverência.
Até ao final “Burn”, “The hand that feeds”, “Head like a hole” e despedida com o épico “Hurt”, ouvido e cantado pelo público quase em silêncio ou em sussurro, momento sagrado para tema essencial da outrora descida espiral aos infernos de Reznor de quem até Johnny Cash fez uma versão em 2002 e que, mais de 30 anos depois do primeiro lançamento, continua a ser para muitos um hino.
Numa entrevista na altura, por ocasião da cover de Cash, Trent respondia à questão da sua clara influência e impacto em variados projetos e artistas ao longo dos anos, de como era interessante ver bandas novas citar os NIN como influência, mas criando música verdadeira e não imitativa. E concluía com uma universalidade, no Alive comprovada: “Sejamos realistas: é bom ser apreciado”.